20/10/2009

DISCURSO DO EMBAIXADOR MEXICANO

Um discurso feito pelo embaixador Guaicaípuro Cuatemoc, de descendência indígena, sobre o pagamento da dívida externa do seu país, o México, deixou atónitos os principais chefes de Estado da Comunidade Europeia.
A conferência dos chefes de Estado da União Europeia, Mercosul e Caribe, em Madrid, viveu um momento revelador e surpreendente: os chefes de Estado europeus ouviram perplexos e calados um discurso irónico, cáustico e de exactidão histórica que lhes fez Guaicaípuro Cuatemoc.
Eis o discurso:


"Aqui estou eu, descendente dos que povoaram a América há 40 mil anos, para encontrar os que a "descobriram" só há 500 anos. O irmão europeu da aduana me pediu um papel escrito, um visto, para poder descobrir os que me descobriram. O irmão financista europeu me pede o pagamento - ao meu país, com juros, de uma dívida contraída por Judas, a quem nunca autorizei que me vendesse. Outro irmão europeu me explica que toda dívida se paga com juros, mesmo que para isso sejam vendidos seres humanos e países inteiros sem pedir-lhes consentimento. Eu também posso reclamar pagamento e juros. Consta no "Arquivo da Companhia das Índias Ocidentais" que, somente entre os anos 1503 e 1660, chegaram a São Lucas de Barrameda 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata provenientes da América.
Teria sido isso um saque? Não acredito, porque seria pensar que os irmãos cristãos faltaram ao sétimo mandamento!
Teria sido espoliação? Guarda-me Tanatzin de me convencer que os europeus, como Caim, matam e negam o sangue do irmão.
Teria sido genocídio? Isso seria dar crédito aos caluniadores, como Bartolomeu de Las Casas ou Arturo Uslar Pietri, que afirmam que a arrancada do capitalismo e a actual civilização europeia se devem à inundação de metais preciosos tirados das Américas.
Não, esses 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata foram o primeiro de tantos empréstimos amigáveis da América destinados ao desenvolvimento da Europa. O contrário disso seria presumir a existência de crimes de guerra, o que daria direito a exigir não apenas a devolução, mas indemnização por perdas e danos.
Prefiro pensar na hipótese menos ofensiva.
Tão fabulosa exportação de capitais não foi mais do que o início de um plano "MARSHALL MONTEZUMA", para garantir a reconstrução da Europa arruinada por suas deploráveis guerras contra os muçulmanos, criadores da álgebra e de outras conquistas da civilização.
Para celebrar o quinto centenário desse empréstimo, podemos perguntar: Os irmãos europeus fizeram uso racional responsável ou pelo menos produtivo desses fundos?
Não. No aspecto estratégico, dilapidaram nas batalhas de Lepanto, em navios invencíveis, em terceiros reichs e várias formas de extermínio mútuo.
No aspecto financeiro, foram incapazes, depois de uma moratória de 500 anos, tanto de amortizar o capital e seus juros quanto independerem das rendas líquidas, das matérias-primas e da energia barata que lhes exporta e provê todo o Terceiro Mundo.
Este quadro corrobora a afirmação de Milton Friedman, segundo a qual uma economia subsidiada jamais pode funcionar e nos obriga a reclamar-lhes, para seu próprio bem, o pagamento do capital e dos juros que, tão generosamente, temos demorado todos estes séculos em cobrar. Ao dizer isto, esclarecemos que não nos rebaixaremos a cobrar de nossos irmãos europeus, as mesmas vis e sanguinárias taxas de 20% e até 30% de juros ao ano que os irmãos europeus cobram dos povos do Terceiro Mundo.
Nos limitaremos a exigir a devolução dos metais preciosos, acrescida de um módico juro de 10%, acumulado apenas durante os últimos 300 anos, com 200 anos de graça. Sobre esta base e aplicando a fórmula europeia de juros compostos, informamos aos descobridores que eles nos devem 185 mil quilos de ouro e 16 milhões de quilos de prata, ambas as cifras elevadas à potência de 300, isso quer dizer um número para cuja expressão total será necessário expandir o planeta Terra.
Muito peso em ouro e prata... quanto pesariam se calculados em sangue?
Admitir que a Europa, em meio milénio, não conseguiu gerar riquezas suficientes para esses módicos juros, seria como admitir seu absoluto fracasso financeiro e a demência e irracionalidade dos conceitos capitalistas.
Tais questões metafísicas, desde já, não inquietam a nós, índios da América. Porém, exigimos assinatura de uma carta de intenções que enquadre os povos devedores do Velho Continente e que os obriguem a cumpri-la, sob pena de uma privatização ou conversão da Europa, de forma que lhes permitam entregar suas terras, como primeira prestação de dívida histórica..."

Quando terminou seu discurso diante dos chefes de Estado da Comunidade Européia, Guaicaípuro Guatemoc não sabia que estava expondo uma tese de Direito Internacional para determinar a verdadeira Dívida Externa.

4 comentários:

A. João Soares disse...

Caro Luís,

Ironia ? ou uma lição de ética aos nossos políticos que nada sabem de honra e dignidade.

Se às relações internacionais fosse aplicada a legalidade, a moralidade e a dignidade das relações entre empresas e fornecedores e clientes, os governantes teriam as caras pintadas de negro.

Vou a uma loja ou supermercado e pago a pronto. No entanto, os governantes e autarcas demoram «séculos» a pagarem aos fornecedores e agora fala-se em obrigá-los a pagar em 30 dias. E cumprirão? Quem os obriga a cumprir? A Justiça não consegue enfrentar a imunidade e a impunidade do Poder.
A rir, o índio mexicano deu uma lição aos mestres brancos.

Um abraço
João

Maria Letr@ disse...

Amigo João Soares,
Eu já tinha lido este MAGNÍFICO post, mas quis saboreá-lo melhor quando estivesse a deliciar-me com o silêncio da noite, sem ter o nétinho a provocar-me com as suas brincadeiras.
Este discurso é duma profundidade que ultrapassa o meu conhecimento no que se refere à história dos povos indígenas, mas é suficientemente claro para perceber bem o seu conteúdo. Eu não sei quanto tempo levou a escrever este discurso, mas posso reconhecer o sentimento de Guaicaípuro Cuatemoc quando o elaborou. Quanta revolta interior não estaria sentindo, no momento de lê-lo perante os Chefes de Estado da Comunidade Europeia...
Um discurso que - muito provavelmente - irá fazer meditar muitos governantes e, quem sabe se, na verdade, a sua tese (que tese foi, realmente!), venha a dar uma volta no Direito Internacional, sôbre a determinação de Dívidas Externas.
Posso editar este texto no meu blogue "Letras sem Tretas"?
Um abração.
Maria Letra

Maria Letr@ disse...

Peço desculpa. Sou eu quem, de vez em quando, removo comentário, quando sai em duplicado ...
Maria Letra

A. João Soares disse...

Caro Luís,

Hoje dei comigo a pensar na situação no Iraque e no Afeganistão. A guerra nada foi melhorar, antes pelo contrário. E quem lhes paga a indemnização?
Depois vim aqui buscar este texto e transcrevi-o para o Do Miradouro, com uma nota final em que refiro essas duas guerras actuais que tantos estragos têm feito naqueles pobres países.

Abraço
João