Amigos,
Desculpem-me esta "colagem", mas não resisti pela forma satirica e simultaneamente bela deste artigo. Dificilmente se encontrará igual ou melhor...
Um primeiro-ministro de um universo paralelo deu uma entrevista a um jornal. Lê-la é sair deste mundo
Domingo passado, bem cedinho, tive acesso a um universo paralelo. Lia jornais e blogues, e estava tudo bem. Enfim, pelo menos o costume. Um bocadinho surpreendido pela ferocidade de algumas certezas, mas nada de grave. Pela terceira chávena de café, no entanto, tudo mudou.
Era uma entrevista de um primeiro-ministro, no "Diário de Notícias". Um bravo primeiro-ministro que nunca na sua vida fez qualquer pressão sobre um só jornalista deste planeta ou de outro. Nunca. Um primeiro-ministro que sempre buscou ter uma relação "distante" com a comunicação social. (Ao contrário de quem? De Cavaco Silva, adivinhou.) O primeiro-ministro em questão prepara-se afincadamente para os debates políticos. Não só porque odeia como ninguém o pecado da soberba, como igualmente, mesmo principalmente, porque a "comunicação social moderna" (no tempo dos faraós era diferente) não lhe concede a devida oportunidade para dar conta ao país das suas obras, coisa que os debates finalmente lhe permitem fazer.
Fora das obras resta-lhe pouco tempo para outras atenções. Não faz ideia de quantas pessoas viram os debates em que participou.
Não perde um só segundo do seu precioso tempo a pensar em eventuais desventuras da oposição.
Desconhece até o nome dos presidentes das maiores empresas. Não lê as entrevistas dos grandes empresários. Só acredita na ciência, em particular a dos "cientistas políticos", que adora. É mesmo, pela distracção, quase uma espécie de Professor Tournesol. Só lhe falta andar de pêndulo na mão, apaixonado pela radiestesia. Desde que a oposição não lhe chame "zuavo", está tudo bem. E detesta, com intenso desprezo, aqueles que vêem "conspirações em todo o lado". (É verdade, juro.) Coerentemente, deixa a "maledicência" aos outros, aos especialistas da infâmia.
Ah, e é amicíssimo da cultura! Só vê, de resto, a RTP 2, porque não tem telenovelas nem concursos. Porque o que lhe interessa é, no fundo, a espiritualidade. Não sendo católico, nem acreditando em milagres - era o que faltava, meu Deus! -, gosta da partilha da espiritualidade. "Partilha", note- -se, não o vão tomar por um monge solitário perdido no árido deserto. Isso é que não. Solidário, mas não solitário.
Por pura coincidência, este primeiro-ministro - este santo e impoluto homem, esta fatal maravilha da nossa idade - chama-se, a fazer fé no "Diário de Notícias", exactamente co- mo o deste nosso mundo, José Sócrates. Sim, esse mesmo. Há, de facto, coisas extraordinárias.
Paulo Tunhas, publicado em 23 de Setembro de 2009
Professor do Departamento de Filosofia da Universidade do Porto
2 comentários:
Amigo Luís,
Este texto, na verdade como muito poucos, está de tal forma carregado duma ironia inteligente que, sinceramente, tive de lê-lo duas vezes. Não é difícil perceber, imediatamente, ter sido escrito por alguém que recorreu a uma boa dose ironia. Pobre deste Sócrates, 'santo e impoluto homem' (sic). Poderá, realmente, ser comparado com alguém? Sócrates, o grande pensador Grego, pelo menos interessava-se pela essência da alma humana. José Sócrates creio que só percebe da sua, a que mais lhe interessa!
Um abraço.
Maria Letra
Amigo Luís,
Muito bem escrito este texto e como eu gosto.
O sarcasmo bem usado, como aqui, cai que nem uma luva. Perfeito.
Beijos
Ná
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