06/07/2009

A história de María Soliña de Cangas - Galiza!!

Poderão achar estranho que traga ao Blogue um tema que nada tem de actual. Realmente esta história verídica da María Soliña data de 1619, do tempo da Inquisição, da caça às bruxas …

A verdade é que, curiosamente, o primeiro contacto com esta história surgiu pela leitura de um livro sobre escultura que me foi oferecido pela minha amiga Belén Piñeiro, livro esse dedicado à obra do seu pai, famoso escultor Galego Xoán Piñeiro, nascido em 1920 em Cangas, Galiza, e falecido num acidente de viação no dia 20 de Dezembro de 1980.
Passo a transcrever uma pequena parte do texto, na língua original (Galego), que sei ser entendível e que explica a razão pela qual o mesmo durante algum tempo se dedicou a esculpir imagens de bruxas “meigas” em galego.
“Pero em Cangas atopámos cunha das maores abstracións: as suas famosas meigas, que alá polo ano mil siescentos e pico, tiñam segradas xuntanzas na plaia das Areas Gordas, onde, polas noites beillaban nuas e teniam tratos com Satanás…..a traveso dos contos de velhos, no que propoe esceario de Cangas avivarían a fantasia do escultor. Deformado pólos anos e o misterio contraríase o proceso de María Soliña….."

Por mera casualidade, algum tempo depois, ao ouvir um tema lindíssimo na voz de Teresa Salgueiro Maria Solina apercebo-me que este nome me era familiar e fui indagar sobre os factos.

O que a "Santa" Inquisição praticou em todo o Mundo foi atroz, neste caso e em particular na Galiza contra o seu povo, e muito especialmente, contra as “meigas”. María Soliña não foi infelizmente a única, foi sim uma das mais idosas, a que ficou como símbolo do sofrimento de todas as “meigas”.

Esta é a história verídica duma “meiga”, nascida no ano de 1551, casada com um pescador de nome Pedro Barba, um dos homens mais ricos da localidade e com vários filhos nascido desta união.
Após a invasão Turca em 1617 e ao ficar totalmente só, rica mas também louca em consequência da morte de todo seu abençoado agregado familiar, começa a vaguear pela praia à noite, desesperada, chamando pelos nomes de cada um dos seus bem-queridos, facto que chama a atenção da Inquisição. Aos sessenta e oito anos de idade foi presa fácil e caiu nas mãos da Inquisição. Vítima de uma pura invenção dos inquisidores, cujo único propósito era apoderar-se dos seus abastados bens, sofreu as maiores atrocidades, martírios, torturas, facto que lhe veio a causar a morte pouco tempo depois de ter sido obrigada a confessar a sua ligação a Satanás, tão-somente por temer pela sua vida.

Tal como outras tantas mulheres de Cangas, María, estava totalmente desamparada. Após a invasão de 1617, a pequena nobreza viu decrescer as suas rendas de forma alarmante e procurou por todos os meios e recursos disponíveis manter o nível de vida. A Inquisição integrava quase na totalidade membros deste extracto social, tornando-se assim muito fácil que os seus fins fossem atingidos.

Em 23 de Janeiro de 1662 chegou por fim a sua sentença. Foi condenada à confiscação de todos os seus bens e a usar o hábito penitencial durante meio ano. Ninguém sabe se chegou a cumprir a pena, é assumido que a sua vida não tenha durado muito mais. As sequelas físicas dos tormentos a que tinha sido sujeita eram demasiado notórias, sobretudo para uma mulher de praticamente 70 anos de idade, os quais teriam sido mais do que suficientes para lhe causar a morte. Os seus restos mortais nunca foram encontrados.
Diz-se que, na ausência do seu corpo e não se podendo fazer o auto de fé correspondente, o Santo Ofício e os seus colaboradores confeccionaram um boneco e palha e cartão e levaram o pretenso corpo pelas ruas de Cangas às costas de um burro.

Esta é, sem dúvida, uma história de vida horrível, que prova claramente que as classes mais poderosas sempre acabam por fazer tudo o que querem, o que mais lhes convêm, até misturam fé com interesses materiais e cometem verdadeiras atrocidades. A dita “Santa” Inquisição é, sem sombras de dúvidas, uma das maiores vergonhas para a Igreja Católica.

Este foi o caso mais transcendente das supostas “meigas” de Cangas, imortalizado nesta simples canção que indica claramente o sofrimento de todo um povo. Ainda hoje se diz…se queres chorar vai a Cangas.

María Soliña. (Celso Emilio Ferreiro)

Polos camiños de Cangas
a voz do vento xemía:
ai, que soliña quedache,
María Soliña.
Nos areales de Cangas,
Muros de noite se erguían:
Ai, que soliña quedache,
María Soliña.
As ondas do mar de Cangas
acedos ecos traguían:
ai, que soliña quedache,
María Soliña.
As gueivotas sobre Cangas
soños de medo tecían:
ai, que soliña quedache,
María Soliña.
Baixo os tellados de Cangas
anda un terror de agua fría:
ai, que soliña quedache
Máría Solinã

Nota: Trabalho feito por pesquisa via Net, com traduções da autora, do Galego, Castelhano e Francês.
Qualquer nota adicional ou mesmo correctiva é bem vinda.
Fernanda Ferreira

14 comentários:

A. João Soares disse...

Querida Ná,

Parabéns por esta iniciativa. Curiosidade de cientista leva além de um sinal um sintoma, à procura de dados que estão por detrás e, assim, nos traz cultura. Desta forma, vamos enriquecendo o nosso saber.
Beijos
João

Vitor Chuva disse...

Olá Fernanda!

Afastando-te radicalmente do género a que nos habituaste, conseguieste um trabalho muito sóbrio e seguro, ainda que simples na exposição dos factos, o que torna mais apelativo, ao mesmo que mais acessível na sua leitura.
Gostei muito de ler!

Os meus parabéns, e espero que continues!

Um abraço.

Vitor

Luis disse...

Querida NÁ,
Parabens pela sua pesquiza que é muito interessante e está de certa forma ligada à nossa história uma vez que temos raízes comuns com a Galiza. Por sinal estou lendo o livro "Em Braga foi Portugal gerado" de vários autores entre eles o meu amigo Domingos Marques que foca bem a interpenetração da história e das culturas Galega e Portuguesa. Como calcula adorei o poema "Maria Soliña".Pena a sua história ter passado por tantas agruras devido às mortes dos seus familiares e depois pelas acções da Inquisição que por absurdo se intitulava de "Santa".
Um beijinho.

Maria Letr@ disse...

Cá está mais um texto que não me surpreendeu, no que se refere ao género, porque sei que a Ná é uma pessoa interessada em cultura geral. Muito embora iniciasse a sua colaboração neste blogue trazendo-nos "pedaços" de Portugal que, sobretudo a quem está fora do seu país, sabem MUITO BEM, tem revelado interessar-se por aquilo que vem de outras terras e de outras gentes, escolhendo sempre textos de elevado interesse.
Gostei muito, Ná.
Obrigada.
Maria Letra

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Queridos amigos, João, Vitor (quanta honra),Luís e Mizita,

Antes de mais quero agradecer os vossos maravilhosos comentários, souberam a mel...muito obrigada!!!

Este tema esteve anos a amadurecer, sempre pensei em escrever algo sobre esta desgraçada Maria, que bem podia ter sido qualquer um de nós. Temia, contudo, não estar à altura, não o fazer condignamente...confesso que não estou satisfeita com o resultado final, por isso solicito na minha nota final, se possível, mais informação e correcção.

Amiga Mizita, tenho uma promessa por cumprir, eu sei, não está esquecida..só adiada.

Beijinhos a todos,

a d´almeida nunes disse...

Fernanda Ferreira

Parabéns pelo trabalho que conseguiu apresentar por esta via, que bem sabemos, ser algo limitativa, por não ser viável a inscrição de textos demasiado longos. E tenho a certeza que a história de "Maria Solina" daria "pano para mangas". Aliás, o seu enquadramento na época em que tal aconteceu, é fértil em horrendas cenas da vida, que a muitos de nós ainda hoje afectam só de pensar na infâmia cometida em nome de Deus e da Religião Católica.
Como foi possível o Homem ter tolerado tamanhas injustiças!?
Gostaria de poder colaborar acrescentando novos dados a este trabalho. Mas não há dúvida que, pelo menos, ficarei alerta para o tema.

António Nunes

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Caríssimo António Nunes,

Pode tratar-me como todos os meus colegas, por Fernanda ou Ná...eu iria adorar.

Muitíssimo obrigada pelo generoso comentário, fiquei comovida.

Peço-lhe o enorme favor de adicionar todos os dados que tiver ou venha a ter sobre este tema. Se desejar podemos fazer um novo post conjunto, ou em alternativa eu publico aqui, no meu espaço o seu, com o maior prazer.

Realmente este é um tema com "pano para mangas"... por tudo o que representa, e que por razões óbvias, me tocou profundamente.

Bjs.

J.Ferreira disse...

Sempre chegaste ao fim da saga, a história que não te saía da cabeça, ou ainda talvez não, ficam sempre portas ou janelas abertas, basta pata tanto ouvir o tema que a nossa maravilhosa Teresa Salgueiro magistralmente interpreta.

Realmente valeu a pena toda a pesquisa, todo o teu empenho, apresentas aqui um trabalho notável, diferente e que relembra os horrores da Inquisição.

Parabéns.
Beijo.
J.Ferreira

Adelaide disse...

Querida Fernanda,

Hoje não comento o teu post, mas fá-lo-ei amanhã. Prometo. Descobri que fiquei de repente cansada de tanto comentar. E como ando um pouco preguiçosa.....!


Beijinhos
Milai

Adelaide disse...

Acredita que ando sem pedalada. Este blog não pára de me espantar. Aqui a mudança já se deu !!!

beijos
Milai

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Há quanto tempo... Sr.José Ferreira!!!
Pensei que nem tinhas prestado muita atenção ao que andava a escrever...é bom saber que estás atento e que apesar do pouco tempo disponível, que eu sei ser muito pouco, ainda consegues vir ler o que publico.
Obrigada por isso e pelo elogio.
Beijão

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Querida Milai,

Eu sei do que falas...e do teu cansaço. Agora passaste a avó a tempo inteiro, já há dias que não nos falamos, ontem uns minutinhos de fugida e foi tudo.

Não te preocupes com os comentários, afinal acabaste por fazer dois... quero (queremos) é mais trabalhos teus, cheios do teu carisma tão pessoal, tão único e querido por todos.
Larga lá os pincéis, só de vez em quando, e dá-nos um presentinho, pode ser???

Beijinhos mil bella,

Adelaide disse...

Ok querida, mas ainda não li o teu texto e tenho que o ler a avaliar pelos comentários.

Eu tenho os meus netos e tu tens o teu blog SJ para quem também trabalhas e talvez até demais. Vê-se o amor que tens por ele!

beijinhos
Milai

Pedro Ferreira disse...

A Maria Soliña, conseguiste a história???!!! Só podias.

Só conhecia, e mal, o tema da Teresa Salgueiro, confesso. Voz lindíssima que me faz lembrar o que há de melhor no meu País.

A história em si é do mais triste que há. E pensar que isso aconteceu mesmo, meu Deus, quantos horrores se praticaram em seu nome.

Beijos e um abração,
Pedro