A Quinta é uma das mais encantadoras quintas do Douro. Uma casa secular, de arquitectura singela com fortes traços regionais, ladeada de uma capela, tendo como cenário os extensos vinhedos que se estendem até ao rio. Uma paisagem magnífica que pode ser apreciada do relvado que cerca a velha casa pintada de amarelo ocre.
Referenciada nos mapas do Barão James Forrester, foi uma das quintas preferidas de Dona Antónia Adelaide Ferreira, que a comprou em 1863. Encontra-se na margem da estrada que liga o Pinhão a Covas do Douro.
Apesar de ter estado no Douro por variadíssimas vezes, cada vez era única, é impossível não ficar maravilhada com a deslumbrante beleza e singularidade desta região vinhateira.
Um comboio era alugado só para nós. Saíamos às oito da manhã da belíssima estação de São Bento no Porto e era sempre uma festa indescritível. No Pinhão estavam à nossa espera vários meios de transporte, até camionetas de caixa aberta eram usadas para nos levar até à Quinta.
O comboio parava na Régua por alguns instantes, compravam-se às rebuçadeiras (figuras típicas da cidade) os rebuçados na estação e lá seguíamos viagem até ao Pinhão.
A viagem de comboio permite-nos apreciar toda a beleza da região, sempre seguindo o curso do Douro, é algo de fabuloso.
Depois havia sempre alguém que levava um farnel recheado e bom vinho, era uma alegria toda aquela convivência, sem distinção de hierarquias, todos colegas, todos amigos.
Nesse ano, para além do pessoal da Empresa, viajou connosco um simpático e bem anafado casal Americano, eram convidados do Dr.Olazabal.
Entre as “meninas” nome dado às guias, havia uma colega holandesa, a Mickie, que por naturalmente possuir o dom de um acutilante bom humor, nos fez rir toda a viajem.
Os Monroes, os americanos de Napa Valley, outra região vinhateira afamada,viajaram sempre perto do grupo das “meninas” por razões óbvias. Durante a viagem falamos muitas vezes e fiquei a saber que por razões que se prendiam com a sua religião não bebiam álcool, vinho, nada, só água. Contudo, o Sr. Monroe confessou-me duas coisas, começando por usar o ditado “toda a gente peca, se não em actos pelo menos em pensamento”, primeiro que tinham em casa uma garrafeira colossal escondida por detrás da biblioteca e segunda, que tenciona beber tudo o que lhe aparecesse pela frente nesse dia, como poderia desperdiçar aquela oportunidade única??? Rimos como tolos… lembro-me perfeitamente.
Um soberbo almoço foi-nos servido, havia uma banda a tocar e os patrões estavam todos presentes para nos acolher, como era apanágio da família. Sentaram-se numa mesa à qual todos os trabalhadores tinham acesso, mesmo no meio, o Dr. Olazabal e família ainda tiveram oportunidade de cumprimentar o meu marido e filho. Lembro-me como se fosse hoje, que o Sr . Dr. Olazabal, com a sua natural simplicidade me perguntar “ Oh Fernanda, é seu fillho??? Ruivo??? A quem sai??? É lindo!!!…” O Pedro nessa altura era realmente ruivo (chamavam-lhe na Escola e não só, o Cenoura”, mas não era um ruivo qualquer, era e é lindo, só que agora já não é mais ruivo … é quase calvo como o pai.
Estava tudo perfeito, as mesas tinham sido colocadas debaixo de árvores frondosas e o calor sufocante do Douro só se começou a sentir mais depois do almoço, sabe-se lá porquê???....!!!!
Mais tarde, alguns colegas meus dançavam, outros conversavam e outros integraram um grupo para visitar as adegas, onde a vinificação toma lugar. Eu fazia parte deste último grupo liderado por um dos então jovens enólogos da Empresa, explicações técnicas nunca foram demais para mim…
Estava-se lindamente na adega, a frescura de uma adega num dia tão quente pode ser um verdadeiro Paraíso e eu estava completamente deliciada pela forma como tudo estava a ser explicado.
De repente um som estranho chegou-nos até à adega…a música tinha parado e toda a gente ficou com um ar apavorado…O que teria acontecido???
Em plena luz do dia eu pude verificar que a Sr.ª. Monroe estava demasiado pálida, algo de muito estranho tinha acontecido, esse foi de imediato o meu sentimento. O marido, que eu tinha avistado pela última vez antes de descer à adega, estava então a tocar bateria com a banda, completamente encharcado em suor e a fumar um charuto.
Alguns minutos após o primeiro choque e as primeiras perguntas, soube que ele tinha decidido ir tomar um banho ao rio, só para se refrescar e que só informado a esposa … facto que quase lhe roubou a vida por afogamento. Estava a ser transportado para o hospital mais próximo mas felizmente, soubemos mais tarde que estava bem.
E assim, um dia que tinha tudo para ser perfeito, quase se transforma num pesadelo. A nossa viagem de volta ao Porto foi bem mais calma e menos alegre, o fantasma do possível afogamento do Mr. Monroe não nos saía da cabeça.
Fernanda Ferreira
PS. História baseada em factos reais, com nomes ficcionados bem como o final quase trágico que me foi sugerido pelo meu professor de Inglês, Fred Grech.
9 comentários:
Querida Ná,
Bela descrição que, como já lhe tinha referido, eu próprio com o pessoal da minha Companhia Transmontana e seus familiares já fizemos por duas vezes, e sempre nos deslumbra pela sua cor e beleza.
Espero que o final desse seu passeio não tenha sido real pois seria traumatizante caso tivesse acontecido.
Continue descrevendo essas lindas paragens para que quem não as conheça se lembre de as ir visitar em vez de ir para a "estranja" gastar por vezes o "dinheirinho" que não tem....
Um abraço amigo
Luís
Para a Ná e todos os Amigos deste blogue,
Esqueci-me de dizer que o último parágrafo não era destinado às "gentes" deste blogue, que as considero cultas e muito inteligentes, sem sombra de dúvida.
Luís
Mais um bom trabalho da amiga Fernanda Ferreira, com uma óptima sequência narrativa. Gostei muito.
Maria Letra
Obrigada querida Mizita.
Sempre adorei escrever narrativas.
Beijinhos
NÁ
Cara Ná.
Conheço praticamente todo o País, e adoro as Beiras e o Norte do Douro. A imagem mais recente que tenho das margens do Douro, foi uma vista aérea, mas nem de avião, nem de helicóptero, nem de balão. Foi realmente de carro. Ia de Viseu para Vila Real para depois seguir para um almoço de amigos no Minho, em Junho. Na subida do antigo IP3 do Douro para Norte, percorri um troço com curvas, quase todo em aterro ou ponte e, para o lado direito não via nada próximo, só avistando as vinhas das encostas distantes como se fosse de avião. Imagens que não esqueço.
E como a Ná é da família Ferreira(!) e apreciadora do vinho fino do Douro, a que chamam do Porto, recordo-me agora que em casa de um pequeno produtor deste delicioso néctar, na Régua, este me contou que um dia a filha levou lá a casa, quando de férias, um amigo alemão a quem ofereceu um vinho muito especial com a religiosidade que merecia. O alemão bebeu o cálice quase de um trago, o que ofendeu o anfitrião que reagiu «você nunca mais provará em minha casa vinho do Porto». Não me recordo das palavras exactas mas creio que até foram mais duras e radicais.
Um abraço
João Soares
Caro João,
Realmente é selvático beber-se dessa forma um néctar divino como deveria ser esse que lhe fora dado a provar.
Para esses bárbaros nem "zurrapa" se deve dar...
Um abraço
Amigos,
O que vos vou contar é verídico.
O meu marido tem a fobia da bicicleta, aos 53 anos de idade (há dois anos atrás) foi com um pequeno grupo de bicicleta aos CEREJAIS, terra de um dos amigos. Saída de bicicleta e voltaram de carro.
A viagem durou 3 dias.
Numa das paragens, já na região Duriense, entraram na adega de um amigo do Abílio, o amigo do Douro, e foi-lhes dado a beber directamente da pipa um vinho delicioso, ainda jovem, muito frutado e vigoroso e uns biscoitinhos deliciosos que a patroa simpaticamente ofereceu.
Na adega estava fresco, a sede era muita, como se adivinha, como também se adivinha o que aconteceu posteriormente.
Pois foi isso mesmo...nesse dia a viagem quase ficava por ali, tinham bebido vinho fino com cerca de 18% e a paulada foi inevitável.
Beijinhos,
NÁ
Querida Ná,
A propósito do que relatou e devido à "provecta idade" há sempre uma históriasinha que nos assalta à cabeça. Assim, tinha eu uns 15 anos fomos em grupo para casa de um amigo, o Luís Margaride, em Almeirim, passar as férias de Carnaval. Para além de assustarmos, durante a noite, o pessoal doméstico com as nossas travessuras, no dia seguinte, logo pela manhã fomos dar uma volta a cavalo pelo campo e fomos visitar as suas adegas. Claro que fomos logo experimentando todos os vinhos que lá se encontravam nas pipas e no fim já nos foi muito difícil montar de novo para regressarmos. Ainda hoje não me lembro como o fizemos, só sei que íamos a rir a gargalhada e que depois tivemos que fazer uma bela sesta e nem almoçámos. Só ao jantar tivemos coragem de aparecer ao Irmão mais velho do nosso amigo.
Visitar adegas normalmente é no que dá....
Desculpe mais esta historieta....
Beijinhos
Amigo Luis,
Afinal todos nós temos uma história ou duas idênticas, ah???
Abraço,
NÁ
http://cvssemprejovens.blogspot.com/
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