16/03/2009

Mil Novecentos e Oitenta e Três

Um cubo cinzento.
Corpos metidos lá dentro.
TVs, videos e cassettes,
Movem marionetes.
Bebe-se uma boas “pingas”
E mastiga-se “chewingas”.
Fala-se, mas nada se diz.
Em tudo mete-se o nariz.
É assim é que o “peixe” se vende ...
A gritar é que o povo se entende ...
Sugerem-se novas mudanças
No Governo. As crianças ...
Coitaditas! Como sofrem ...
Vêm-se aflitas.
São brinquedos, são cobaias,
Quer usem calças ou saias.
Dão provas de resistência
Com enorme paciência.
Que loucura! ...
É um mal que não tem cura,
Nem remédio.
.........................
Surge o tédio,
O medo, a dor, o tormento.
O cubo não resistiu
E partiu. Tudo acabou!
A aparelhagem, estourou.
As vozes loucas, calaram
E as gargantas secaram.
Destruição completa
Naquele espaço,
Tão curto,
Tão escasso.
.......................
Nos olhos duma criança,
Uma lágrima descansa!

Maria Letra
Londres, Março de 1983

Peço perdão! Esta poesia foi escrita em 1983, mas nada mudou, bem pelo contrário. A mudança impõem-se. Estou certa de que alguns dos meus amigos comentá-la-ão dizendo ser muito triste, mas há certas realidades que temos de denunciar. É com o enfrentar da realidade que a nossa intenção de melhorar o que está mal irá para a frente.
Vivemos num mundo em que o supérfluo, o exibicionismo, a falsidade e a vaidade, expressas, por exemplo, num consumismo desenfreado e numa vida repleta de fantasia, escondem-se, sorrateiramente, por detrás de máscaras em rostos de atraente beleza. Estas adversidades duma vida que poderia ser muito bonita, sobrepõem-se, inúmeras vezes, a tristes realidades que negligenciamos. Não é necessário sermos letrados para participar na criação dum mundo melhor, basta que o coração responda ao sorriso duma criança quantas vezes vítima de tudo o que disse, relegadas para um segundo, triste, plano.
Meu pai costumava dizer-me, quando lhe pedia para comprar-me mais um vestido novo:
- "Para que queres tanto vestido se só tens um corpo? Tu não vales pelo que vestes, vales pelo que fazes e pela forma como sentes." Contudo, meus amigos, eu direi que nós hoje,"somos aquilo que vestimos", infelizmente, aos olhos de muito imbecil.
Um abraço.
Maria Letra

7 comentários:

stériuéré disse...

Infelizmente, a nossa sociedade de hoje leva os jovens a pensar assim.
E daqui para pior.

A. João Soares disse...

Cara Maria Letra,
Bela poesia, boa prosa.
Ser ou parecer, uma questão que não existe ma blogosfera, em que nos conhecemos pelo que somos pelas ideias que transmitimos e não pela marca do carro ou do fato. Hoje o que temos é mais efémero do que posamos pensar. Um amigo tem uma casa na aldeia que herdou do sov+gro e onde vai passar as férias e algum fim-de-semana esporadicamente. Guardava muita coisa de valor sentimental e também de valor real. Um dia soube que foram lá e levaram tudo desde livros a electrodomésticos. A mulher ficou em choque e ele dificilmente esconde o desgosto. O ter conta muito nesta vida de ficção em que vamos vivendo, mas o essencial é o que somos para nós mesmos.
Um abraço
João Soares

Unknown disse...

Amiga Maria Letra,
este poema foi escrito em 1983, mas infelizmente continua actualíssimo.
Também constato com tristeza que as pessoas hoje valorizam muito mais o que têm ou possam parecer ter, do que o que são na realidade.

Daí os valores estarem em decadência e se reparar muito no que o vizinho veste, compra ou tem.
Cada vez mais as pessoas copiam os seus ídolos e se esquecem de ser elas próprias.
Resultado: Tornam-se insensíveis e superfluas.

Beijinhos,
Ana Martins

EDUARDO POISL disse...

Um mundo que vive de aparências e por isso tornou-se consumista e perdeu a noção do valor da essência...seu pai tinha razão.
Um abraço e boa semana

Maria Letr@ disse...

Eu não me considero à altura dos amigos que escrevem neste ou noutros blogs. Não o refiro por falsa modéstia. Em boa verdade, nunca escrevi nada para os outros lerem, excluindo o que dois dos meus 11 netos me pediram para ficar no caderno escolar de final de ano lectivo. A primeira vez que publiquei, a pedido duma grande amiga, foi no blog que criei mas que, mais tarde, abandonei por não gostar da ordem cronológica do mesmo, como referi já. Praticamente esta é a primeira vez que coloco aqui poemas meus, que fui escrevendo em silêncio. A poesia é qualquer coisa que considero muito nossa e, mais do que publicada, deve ser solicitada. É claro que, se ninguém soubesse que eu escrevia umas coisitas, eu não estaria aqui. Convidaram-me a colaborar neste blog e estou a fazê-lo com o coração, na medida do meu possível, com os "acessórios" e o pouco tempo de que disponho. Espero os colegas que lêm o que escrevo sejam suficientemente amigos (embora virtuais) para dizer: "Pára aí que já não podemos mais contigo!" Entretanto, obrigada pelos vossos comentários. Isso é um sinal de leitura das mensagens que cada um de nós vai pondo aqui. É muito bom sentirmos que alguém nos lê ou está atento ao que se vai dizendo ...
Um abraço a todos.
Maria Letra

A. João Soares disse...

Cara Maria Letra,
Perdoe-me a franqueza mas não gostei que tivesse desistido do seu blog. Durante a vida, tive momentos em que destruí muito do que tinha escrito, por achar que não tinha interesse e hoje lamento esse gesto. Tudo tem interesse até para vermos as fases de crescimento por que passámos, as ideias que tínhamos e as mudanças que sofremos.
A Amiga Maria Letra tem as ideias bem arrumadas e sabe comunicá-las com uma linguagem correcta em todos os aspectos. É um prazer ler os seus escritos. Tenho imenso gosto em que tivesse passado a escrever aqui, pois a sua colaboração veio enriquecer este blog.
Um abraço de amizade
João Soares

Maria Letr@ disse...

Meu amigo João Soares,
Bem que a Mara me disse, várias vezes, que o João era uma excelente e inteligente pessoa. Para ela, o amigo tem um enorme mérito e eu constato isso dia, após dia, pelo que escreve, nomeadamente, relativamente à sua vida quotidiana, como tive o prazer de ler um dia.
Agradeço as suas palavras e tudo farei para não desiludir ninguém, com as minhas verdades.
Tanto para esclarecer: Eu não destruí o que fui escrevendo no meu blog. Fiquei com tudo porque tinha a intenção de refazê-lo, mas como o problema subsistia e eu não conseguia organizá-lo como queria, cancelei tudo e estou só à espera que um filho meu acabe a minha página (ou domínio) na internet e passarei tudo para lá.
Obrigada pelas suas palavras.
Um abraço.
Maria Letra