Há cerca de ano e meio atrás , também ali naquela mesma mesa da cozinha, tinha comunicado eu aos meus pais que gostaria de entrar no rancho juvenil lá da aldeia, então ainda em fase de organização e crescimento. Eles, não só concordaram como ficaram contentes com a ideia. Por um lado, o meu pai já fazia parte do grupo de músicos que o acompanhava ( desde que eu me lembre ele sempre tinha estado ligado a orquestras e filarmónicas - a música era a sua predilecção!), por outro, a minha mãe, a exemplo de muitas outras, até se iria sentir “vaidosa” por ter o filhinho mais velho a dançar no rancho lá da terra! E assim lá me juntei ao grupo, para satisfação de ambos, e sobretudo minha.
E, após alguns ensaios começaram as saídas ; umas vezes ali para perto, outras, especialmente no Verão, já para mais longe.
Dia de actuação, era dia da mãe fazer umas brasas para meter dentro do ferro (a electricidade só chegaria mais tarde), passar as calças pretas, engomar a camisa branca, às quais se juntava uma faixa vermelha à cinta, assim se completando o traje do “dançarino”, sem nunca esquecer o cravo vermelho preso no peito da camisa, que ela sempre tinha forma de arranjar, mesmo que tivesse que correr metade da povoação à sua procura.
Com o pai a tocar, e a mãe quase sempre a acompanhar, acabámos por ir juntos a muitos sítios, com muitas horas de agradável convívio pelo meio. Agora, porém, o que eu tinha para lhes comunicar, tinha a certeza, não lhes iria agradar tanto.
“Vou sair do rancho; não quero continuar; já não me apetece lá estar”, foi o que lhes disse de forma muito resumida - que eu também nunca fui muito de dar grandes explicações. “Mas parecia-me que gostavas de lá estar, toda a gente gosta de ti ; porque é que agora querer sair?”, perguntou a minha mãe, com ar triste e desapontado, enquanto o meu pai assistia à conversa.
Eu sabia muito bem porque queria sair, mas não lhes disse, era segredo meu. E também não me sentia nada à vontade para lhes explicar que o responsável por eu querer sair do rancho era, afinal, o ensaiador: Há algum tempo atrás tinha ele decidido arranjar-me um novo par, sem pedir a minha opinião, e eu não tinha gostado nada. Porque, ao fim e ao cabo, tenho que confessar (agora e aqui, é fácil), que a razão porque eu tinha ido para lá nada tinha tido a ver com “amor” p’lo dançar do vira ou da mazurca, ainda que gostasse de o fazer. Tinha ido para lá, isso sim, porque eu e a moça de que gostava tínhamos combinado entrar, e dançarmos juntos; essa sim, tinha sido a razão. E assim aconteceu durante vários meses, para alegria de ambos: com ensaios, actuações, e por vezes longas deslocações , acabávamos por conseguir passar longo tempo juntos. Com a “brilhante” reorganização levada a cabo pelo ensaiador na formação dos pares tudo isso tinha acabado: para mim, continuar lá tinha deixado de ter graça e de fazer sentido - já não estava lá a fazer nada! E a minha entrega à “carreira de dançarino” acabou, desta forma triste, naquele dia.
Vitor Chuva
20-09-2009
E, após alguns ensaios começaram as saídas ; umas vezes ali para perto, outras, especialmente no Verão, já para mais longe.
Dia de actuação, era dia da mãe fazer umas brasas para meter dentro do ferro (a electricidade só chegaria mais tarde), passar as calças pretas, engomar a camisa branca, às quais se juntava uma faixa vermelha à cinta, assim se completando o traje do “dançarino”, sem nunca esquecer o cravo vermelho preso no peito da camisa, que ela sempre tinha forma de arranjar, mesmo que tivesse que correr metade da povoação à sua procura.
Com o pai a tocar, e a mãe quase sempre a acompanhar, acabámos por ir juntos a muitos sítios, com muitas horas de agradável convívio pelo meio. Agora, porém, o que eu tinha para lhes comunicar, tinha a certeza, não lhes iria agradar tanto.
“Vou sair do rancho; não quero continuar; já não me apetece lá estar”, foi o que lhes disse de forma muito resumida - que eu também nunca fui muito de dar grandes explicações. “Mas parecia-me que gostavas de lá estar, toda a gente gosta de ti ; porque é que agora querer sair?”, perguntou a minha mãe, com ar triste e desapontado, enquanto o meu pai assistia à conversa.
Eu sabia muito bem porque queria sair, mas não lhes disse, era segredo meu. E também não me sentia nada à vontade para lhes explicar que o responsável por eu querer sair do rancho era, afinal, o ensaiador: Há algum tempo atrás tinha ele decidido arranjar-me um novo par, sem pedir a minha opinião, e eu não tinha gostado nada. Porque, ao fim e ao cabo, tenho que confessar (agora e aqui, é fácil), que a razão porque eu tinha ido para lá nada tinha tido a ver com “amor” p’lo dançar do vira ou da mazurca, ainda que gostasse de o fazer. Tinha ido para lá, isso sim, porque eu e a moça de que gostava tínhamos combinado entrar, e dançarmos juntos; essa sim, tinha sido a razão. E assim aconteceu durante vários meses, para alegria de ambos: com ensaios, actuações, e por vezes longas deslocações , acabávamos por conseguir passar longo tempo juntos. Com a “brilhante” reorganização levada a cabo pelo ensaiador na formação dos pares tudo isso tinha acabado: para mim, continuar lá tinha deixado de ter graça e de fazer sentido - já não estava lá a fazer nada! E a minha entrega à “carreira de dançarino” acabou, desta forma triste, naquele dia.
Vitor Chuva
20-09-2009
Vitor Chuva
4 comentários:
Caro Vítor,
Mais um bom texto que nos oferece. Nada na vida acontece por acaso e há sempre uma rezão, muitas vezes não visível, por detrás do pano.
Outra verdade é que as pessoas não são tijolos em que se mexa ao acaso. Um ser humano é um elemento muito precioso e sensível com sentimentos que se sobrepõem a outros interesses mais prosaicos. O ensaiador não sabia disso!
Abraço
João
Olá Vitor!
Como sempre adorei a tua narrativa.
Sabes que a vida é mesmo assim, nem sempre as coisas correm como é nosso desejo.
Agora, talvez o ensaiador vos voltasse a colocar juntos...não achas??? digo eu, não sei.
Beijinho
Fernanda
Olá João Soares e Fernanda!
E´verdade, as coisas nem sempre são feitas à medida dos nossos desejos, e a importância das mesmas depende de quem para elas olha; a vida é mesmo assim!
Obrigado pelos simpa
áticos comentários!
Um abraço.
Vitor Chuva
Amigo Vitor Chuva,
Este tema muito bem apresentado reflete muito bem os nossos interesses na vida que por vezes não são devidamente acarinhados por quem nos rodeia e nos faz perder o elan pelas coisas que mais desejamos. Esse ensaiador não era perspicaz pois se o fosse perceberia que era de manter o vosso par que aí se realizava e era feliz fazendo os outros igualmente felizes.
Um abraço e não se ausente que nós precisamos da sua boa escrita para nos animar.
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