25/12/2009

Lapinhas de Natal- 3 parte

Melgaço naqueles tempos, era uma pequena e pacata localidade. O Inverno era rigoroso, havia muita neve e gelo. Os lobos uivavam durante a noite na serra mas ouviam-se em casa.

O meu pai, como trabalhava na única farmácia que existia daí até Monção, tinha muito que fazer. Era frequente, durante a noite, pessoas baterem à nossa porta para ele ir à farmácia. Tinha então, o que se intitula hoje, de horário “flexibilidade total”. Em contrapartida, a nossa dispensa estava sempre farta de ofertas. Aqueles produtos que hoje são veneno abundavam; presunto, salpicão, conservas várias e até lampreia.

Pela primeira vez na minha memória, cada vez mais fresca, estávamos todos juntos. Éramos quatro irmãos, eu e o mais velho nascemos na Trofa, a seguir a mim nasceu o Emílio, em Regilde, o mais novo, que já não está ente nós, nasceu mesmo em Melgaço.

Os meus pais depois do jantar, juntavam-nos a todos e saíamos a passear pela vila. Era hábito, durante parte das caminhadas, sermos acompanhados pelo gato que havia lá em casa, assim como apanharmos uns tabefes, porque as nossas brincadeiras de passeio, acabavam, como acabam todas as brincadeiras de quatro rapazes juntos.

Mas… há sempre esse mas, a vida na província não era futuro para os jovens. Assim quando o meu irmão mais velho acabou a 4ª classe, para continuar os estudos veio para o Porto viver com uns tios.

Eu fiz a 3ª classe entre Melgaço e Trofa. Os meus pais tinham decidido que o futuro passava pelo Porto, por isso, mais uma mudança.
Levaram os meus irmãos mais novos com eles e eu regressei ao paraíso. Fui viver com a minha avó Rosa e o tio Raul, que assumira a profissão do meu avô Lobo. Só nessa altura é que finalmente encarei a realidade do que tinha acontecido ao meu avô. A primeira vez que soube o que a morte significa e representa.

A segunda foi, quando um dia eu estava a brincar com o cão que a minha avó tinha, era o meu companheiro favorito, ele esperava-me sempre no final das aulas. Lembrei-me de vir com ele para a estrada num carrinho de rolamentos. Eu desci pela estrada asfaltada e o cachorro corria atrás. Antes de um cruzamento eu parei e o bicho passou para o outro lado. Quando o chamei ele obedeceu, só que passou um carro. Coloquei o animal no carrinho e trouxe-o para casa. A minha avó tratou dele. Nunca mais quis cães, até já viver em V.N. de Cerveira.

Terminei a 3ª classe e já ia na 4ª, quando fui convocado para o Porto. Aí ainda frequentei duas escolas primárias, só depois é que definitivamente assentamos. Mudamos para uma casa perto da farmácia, onde o meu pai trabalhou até ao fim da vida.

Agora pela segunda vez, estávamos definitivamente todos juntos. Além do mais a minha avó só habitava a cerca de 20km o que fazia com que as idas para a Trofa fossem agora mais amiúde.

Os Natais aqui eram diferentes, o Pai Natal era outro. A partir daqui acabaram-se os brinquedos, a vida era diferente, por isso os presentes eram outros. Foi então que deixei de acreditar no Pai Natal.

Embora não estudasse muito, a atenção e boa memória que eu tinha durante as aulas, facilitaram a minha vida de estudante. Foi aqui que na época 65/66, estava eu no 1º ano da Escola Preparatória Gomes Teixeira, fui contemplado com os livros “Lapinhas de Natal” de Manuel de Boaventura e “Excursão Acidentada” de Richard Church. Este foi o prémio de bom aproveitamento escolar, tinha passado o ano com média geral de 14 valores. A boa e rigorosa preparação escolar na província, fazia a diferença na cidade.
Vou ficar por aqui... a última parte está já escrita e publicada no meu Blogue Assim é e será publicada aqui, mal seja oportuno.

NB. Finalmente li as “Lapinhas de Natal”. É possivelmente a 1ª edição de 1964. Tinha uma marca na pág. 15. Sinal que eu já tinha chegado até ali. São contos sobre o Natal. Fiquei a saber a origem do Tronco de Natal das Lareiras e ainda da tradição do Vinho Quente com Mel. Não é leitura fácil, já que é escrito por um Minhoto com linguagem local onde são usados muitos termos do Galaico-Português. Talvez a razão da minha não leitura em tempo próprio.
J. Ferreira

6 comentários:

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Olá!!!!!!

Desta parte da história só não sabia da história do cachorrinho...agora percebo melhor porque, aparentemente, gostas mais de gatos.
Só podias ser bom aluno..não é novidade nenhuma, o menino mais bem comportado e sempre atento...estou-te mesmo a ver, ainda hoje és assim.
Eu tive a felicidade de conhecer as duas Rosas, mas melhor a tua mãe, gente assim boa há pouca, cada vez menos. Como ela só teve rapazes adoptou-me como filha, do coração. Nunca a esquecerei.

Já li a última parte. Preparem-se os amigos, porque também faço parte das personagens desta história, completamente verídica.

Beijo enorme,

A. João Soares disse...

Caro José,

Recordar é viver e, com estes notas biográficas, o amigo voltou aos velhos tempos e sentiu novamente correr-lhe nas veias o calor da juventude.
Felicito-o, por estas descrições e compreendo o que sofreu com o acidente do bom amigo canino.

Um abraço
João

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Mensagem recebida por e-email da amiga Celle.

"Olá Fernanda!

Enquanto espero o marido para encontrarmos a família lá na fazenda, respondo agradecendo este significativo e lindo cartão que nos enviou.
Obrigada, almejamos e retribuímos os mesmo votos formulados.
Feliz Ano Novo!
Gostaria de diariamente fazer um comentário, um agradecimento ou mesmo uma publicação, como voce faz e outros do Blog.
Sou incapaz, fico ansiosa, não me consigo. Passei vários dias sem entrar na Net, compromissos e afazeres tomaram todo meu tempo, no momento, tenho 390 e-mails para ler, acredita? rsrsrs
Pesarosa precisarei deleta-los, somente alguns terei condições de abri-los, tentarei pelos nomes e títulos selecioná-los.
Caso alguma mensagem sua fique sem resposta, maninha, não repare, este é o motivo, me desculpe!
Terminamos as reformas por aqui, as obras foram entregues graças a Deus, dia 24 de Dezembro, só dia 28 poderemos espalhar novamente os móveis pela casa e então inicio: -arrumação dos armários, guarda roupas, gavetas, janelas, cortinas etc, tudo que você bem sabe ser necessário fazer.
Quer vir me ajudar???
Começarei o ano novo, trabalhando muito...
Nosso abraço à família. Encantada com a participação do José no Blog.
Tá na minha hora tchau...
Beijinhos da mana brasileira,
Celle"

J.Ferreira disse...

Caros amigos,

Obrigada a todos pelos comentários, especialmente à Fernanda que quase me obrigou a publicar a história, que tem um fim, mas que por minha vontade ficaria onde está.

Recordar fez-me muito bem, foi como se a tivesse revivido, o que se traduziu, mesmo nos momentos de muita dor, em algum alívio.

Beijinhos às senhoras, um abraço ao amigo João.
José Ferreira

Luis disse...

Amigo José,
Recordar é viver e por isso além de alegrias por vezes vem a dor, neste caso a dor do cachorrinho ter sido atropelado e que dor deve ter tido! Talvez maior por se ter considerado culpado por o ter chamado.
As suas descrições da sua juventude primam por uma vivência feliz apesar de todas as vicissitudes passadas. Que bela transmissão de valores que dá aos seus e a nós através das suas palavras! Bem Haja!
Um abraço muito amigo.

J.Ferreira disse...

Amigo Luís,

Realmente naquele tempo, a morte para mim era um sentimento totalmente desconhecido. Depois do meu avô, perder daquela maneira e por minha culpa o "Fiel", mais choradeira, mas desta vez para dentro.
Assim se ia aprendendo o que era a vida.
Um abraço.