Passaram vários dias desde que chegamos à Trofa.
Havia ainda muita confusão na minha cabeça quando mais uma vez fomos para a estação do caminho-de-ferro. A viagem era longa pois regressávamos a Melgaço. Chorei quase todo tempo.
A vida em Melgaço era calma e tinha alguns amigos para a brincadeira, mas na Trofa é que estavam os meus avós.
Entretanto comecei a 1ª classe. O meu irmão mais velho já ia para a 3ª. Naquela altura, a escola funcionava na antiga cadeia de Melgaço, dentro das muralhas, junto à torre do castelo. Agora é o Solar do Alvarinho.
O professor Afonso era o meu professor e também dava a 2ª classe. O meu professor não era muito alto e morava muito perto de nossa casa. Ainda o vejo a atravessar o terreiro com aquela passada enorme. Tinha um andar característico, muito peculiar.
Já num passado mais recente, ia eu de viagem do Porto para Vidago para participar numas Olimpíadas dos bancários, quando na camioneta que nos levava ouvi falar de Melgaço e de alguns nomes que eu conhecia. Fui ver quem era. Ao fim de muitos anos encontro um dos filhos do meu primeiro professor, o Afonso pois claro, que além de ser bancário em Gondomar, era praticante e seria meu adversário na mesma modalidade. Coisas do destino.
O meu irmão tinha o professor Rodrigues, que dava a 3ª e 4ª classe, além de ser o presidente da Câmara.
Os dois professores eram muito severos. Eu só apanhei, com a famosa palmatória, uma vez nas mãos, aquela que tem 5 buraquinhos. Entrei na sala a bater com os pés no chão, naquele soalho de madeira carcomido. Como o professor não era grande e já estava na secretaria, eu não o vi.
Além das mãos doridas, ficou bem pior o meu orgulho. Nunca mais fui castigado em qualquer outra escola.
Só regressaria à Trofa nas férias grandes. Isto aconteceu nos dois anos seguintes. Eram quase três meses de felicidade plena. Tinha muitos amigos e amigas. As brincadeiras eram muitas e variadas. Era o pião, o esconde, o futebol, a macaca, as pescarias, só de noite é que parava. Vinham as vindimas e as corridas pelos campos semeados de milho. A fruta das árvores e o fugir aos lavradores que não gostavam do nosso atrevimento. Não havia cansaço que nos desse.
Depois tinha a minha avó. De manhã havia aquele leite que vinha ainda quente da vaca acabada de mugir e que a senhoria da minha avó distribuía à porta. Ao almoço e ao jantar, ela só fazia aquilo que eu gostava.
Resultado quando regressava a Melgaço, a eterna choradeira. Lembro-me que a minha avó dizia: -até vais com outras cores. A minha mãe contrapunha: -é só lixo. E lá ia eu para o banho.
Não me posso alongar mais. Voltarei…
9 comentários:
Caro José,
Estou a ver a sua felicidade depois de escrever estas recordações da meninice.
Gostei dessa opinião da sua mãe, da cidade ou da vila, habituada à higiene: «é só lixo». A isso retrocariam os aldeões da minha terra: «Enquanto nas aldeias uma pessoa come uma mão cheia de lixo, na cidade comem uma carrada dele». Claro que com rigor não tinham razão, mas queriam dizer que nas aldeias se come alimentos mais naturais e saudáveis do que nas cidades. Ali se vive de forma mais saudável e pura, e se apanham melhores cores, como dizia a sua avó.
Um bom relato que esperamos seja continuado.
Abraço
João
Olá José!
Neste capítulo já recuperado de uma morte quase anunciada (a tua, da qual escapaste por milagre) e da morte do teu avó que tanto adoravas, sente-se uma maior alegria.
Apesar das sempre incómodas mudanças da avó para casa e do facto de ficar a saber que eras um chorão, coisa que raramente fazes desde que te conheço... e já lá vão muitos, fica-se com a impressão nítida de que estes foram os teus melhores anos ...os da tua infância.
Todos nós temos lembranças de algum modo semelhantes. Eu tenho também e essa das cores é uma delas.
A verdade é que depois do banho e de um dia ou dois de cidade ficava uma branquelas com ar doentio mesmo.
Estou ansiosa pelo próximo episódio.
Beijo
Ná
Boa noite,
Ignorando a pessoa, isto pode dizer-se que seria a história de vida de um provinciano que um dia foi para a cidade. Mas há tantos por aí.A vida realmente saudável e a companhia dos que nos são queridos fazem a diferença.
A mudança de vida é sempre na procura de uma vida melhor...ou não.
Um abraço e beijo.
Meu Bom Amigo,
Ao recordar a sua meninice quaanta alegria deve estar a ter! Acredite que me fez também recordar os meus tempos de escola que apesar de ser na cidade era num pequeno bairro em Belém mais parecendo aldeia que cidade! As escolas eram a "Escola da Vida" onde se aprendia além da Tabuada, a História e o Português eram-nos inculcados Princípios de Cidadania que ainda perduram nas nossa mentes! Que diferença para o que se passa actualmente...
Continue com as suas memórias que nos estão agradando tanto pelo despertar em nós estes sentimentos e alegria.
Desejos de um Feliz Natal e um Próspero Ano Novo para a Familia Ferreira, grande exemplo para quem nos visita e que connosco colabora.
Gostei da tua história.
Voltamos a ser meninos recordando estas cenas da nossa infância.
Somos fruto acabado pelas brincadeiras de rua, pelos avós e pela paciência dos que aturaram as nossas traquinices.
Bom Natal
Olá Pai!
Sabes que se a mãe não sabia dessa história toda, eu muito menos.
Lembro-me de ter ido à Trofa mas só conheci o tio Raul e alguma família por parte do Avó.
Para começar, não te conhecia esta faceta, a de narrador, depois a tua história de vida foi muito marcante, houve alturas que me comovi, senti o teu sofrimento.
Espero avidamente pelos outros capítulos.
Parabéns! Eu adorei!
Abração,
Pedro
Oi Pedro
Possivelmente haverá muitas outras coisas que não conhecerás. A vida continuará mesmo para além da morte. Esqueçamos os maus momentos e salientemos os bons. Sobre a narrativa, toda a gente tem esse dom,se "sentirmos" realmente o que escrevemos, é só deixar a mão trabalhar livremente.Há quem seja melhor narrador, o meu avô (teu visavô)pertencia a esse lote, contava histórias encantadoras.
Obrigado pelo incentivo.
Beijão,
Caros amigos,
O vosso interesse pela narrativa deixa-me sensibilizado, tenho a certeza que é igual a muitas outras, de pessoas que viveram junto daqueles que realmente amaram.
Obrigado igualmente pelo incentivo.
Caro J.Ferreira,
Memórias de uma infância feliz. Também me lembro do leite ainda quentinho acabado de chegar, e de como me sabia bem. Hoje porém não consigo beber leite.
Férias da escola, eram naquele tempo, 3 meses de brincadeiras, praia e diversão. Como é bom recordar!
Estou atrasada na leitura das Lapinhas de Natal, mas prometo ler até ao fim.
Beijinhos e Feliz Ano Novo,
Ana Martins
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