Que tempo é o nosso? Há quem diga que é um tempo a que falta amor. Convenhamos que é, pelo menos, um tempo em que tudo o que era nobre foi degradado, convertido em mercadoria. A obsessão do lucro foi transformando o homem num objecto com preço marcado. Estrangeiro a si próprio, surdo ao apelo do sangue, asfixiando a alma por todos os meios ao seu alcance, o que vem à tona é o mais abominável dos simulacros. Toda a arte moderna nos dá conta dessa catástrofe: o desencontro do homem com o homem. A sua grandeza reside nessa denúncia; a sua dignidade, em não pactuar com a mentira; a sua coragem, em arrancar máscaras e máscaras.
E poderia ser de outro modo? Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à «sabedoria» do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em «cadáver adiado que procria», como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida?
Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição, morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem! Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral, que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade se não tiver em conta a totalidade do ser; nenhuma, em que espírito e vida sejam concebidos como irreconciliáveis; nenhuma, enquanto reduzir o homem a um fragmento do homem. Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão.
Por ser um dos meus autores de eleição, tanto em poesia como em prosa, decidi publicar um pequeno texto que servirá para reflexão. Assim espero!
Eugénio de Andrade, in 'Os Afluentes do Silêncio'
Foto da Internet
Fernanda Ferreira Ná
E poderia ser de outro modo? Num tempo em que todo o pensamento dogmático é mais do que suspeito, em que todas as morais se esbarrondam por alheias à «sabedoria» do corpo, em que o privilégio de uns poucos é utilizado implacavelmente para transformar o indivíduo em «cadáver adiado que procria», como poderia a arte deixar de reflectir uma tal situação, se cada palavra, cada ritmo, cada cor, onde espírito e sangue ardem no mesmo fogo, estão arraigados no próprio cerne da vida?
Desamparado até à medula, afogado nas águas difíceis da sua contradição, morrendo à míngua de autenticidade - eis o homem! Eis a triste, mutilada face humana, mais nostálgica de qualquer doutrina teológica que preocupada com uma problemática moral, que não sabe como fundar e instituir, pois nenhuma fará autoridade se não tiver em conta a totalidade do ser; nenhuma, em que espírito e vida sejam concebidos como irreconciliáveis; nenhuma, enquanto reduzir o homem a um fragmento do homem. Nós aprendemos com Pascal que o erro vem da exclusão.
Por ser um dos meus autores de eleição, tanto em poesia como em prosa, decidi publicar um pequeno texto que servirá para reflexão. Assim espero!
Eugénio de Andrade, in 'Os Afluentes do Silêncio'
Foto da Internet
Fernanda Ferreira Ná
11 comentários:
Olá Mum!
Já estou de fim de semana! Não estás online :(
Falamos amanhã!
Vim espreitar e quase não reconhecia a casa, cheira-me a um toque teu?!!! Ficou lindo! Parabéns.
Também gostei do texto...embora um pouco complexo. O que eu subscrevo inteiramente é que o Homem se transformou (na sua generalidade) num Ser menor, mais egoísta, sem princípios e sem moral.
Beijos cheios de carinho.
Pedro
Amiga Ná. Como foi bom ler Eugénio de Andrade e todo o seu simbolismo de escrita,eu gosto bastante dele.
Beijinho de amizade bfs
Lisa
Minha querida amiga,
Irá desculpar, mas, embora tenha imenso apreço por si, estava a achar muita filosofia para o seu estilo. Porém, achei que na essência está o seu pensamento.
Muito boa escolha deste texto de Eugénio de Andrade. Hoje o homem não existe. Existem apenas fragmentos da parte material do homem. Hoje há uma tendência para transformar a humanidade em robôs. Faça uma visita ao blog Robô e Nós
Beijos
João
Olá meu lindo!
Bingo!!! Mas com a aprovação do amigo João Soares.
Sobre o texto, eu não achei nada complexo, bem pelo contrário.
Sendo de Eugénio de Andrade é naturalmente muito mais elaborado do que um texto meu, por exemplo, só isso.
No entanto este pequeno texto é um retrato perfeito do estado em que se encontra o Homem.
Beijos e abraços
Querida Lisa,
Eu sei que gostas tanto quanto eu ou mais ainda!
É um texto pequenino mais perfeito.
Beijinhos
Ná
Querido amigo João,
Está naturalmente desculpado. Se eu um dia escrevesse com um nível minimamente idêntico, eu pediria aumento:))))
Mas é verdade sim, é tudo o que eu penso, não foi por acaso que o escolhi para publicar no Sempre Jovens.
Beijinhos
Ná
Querido amigo João,
Sabe que com este novo LinkWithin, descobri que este mesmo texto já tinha sido publicado pelo meu amigo.
Pena que não mostre antes da asneira estar feita.
O Tempo a que falta amor, é exactamente o mesmo texto, o que prova que para além de termos os mesmos gostos de leitura, também andamos "distraídos", para não falar no tal célebre Alemão :))))
Beijinhos
Ná
Querida Ná,
Tenha cuidado com essa alusão a outros. O José pode ficar desconfiado! Sim, porque essa do alemão não é comigo, não sou desses que agora obtiveram vitória junto do Sócrates na AR!!!
Mas, já que me referi a essa decisão patriótica, tanto que até deu direito à disciplina de voto(!!!), quero deixar claro que nada tenho contra os gays, que até aliviam o mercado e fico com mais bonitonas para me regalar! Mas odeio as lésbicas porque reduzem a oferta do mercado das bonitonas!!! Bem, isto é só conversa de marketing!!!
Beijos
João
Querida NÁ,
Depois do post anterior "À procura de um novo homem" apareceu e bem a razão deste "Fragmento do homem"!
O Egoísmo tem sido a mola real da formação das novas gentes! Há que inverter este estado de coisa e por isso mesmo é bom aparecerem reflexões que nos alertem do mal que está acontecendo!
Quanto ao texto é uma bela prova do valor do seu autor e de quem o trouxe a este blogue, pois vem na linha do que temos sempre aqui defendido!
Parabéns pela escolha e um beijinho amigo.
Querido amigo João,
Não há problemas com o Alemão, nem o José é tão ciumento... digo eu :))))
Também há muitos Homens na Alemanha, como em todo o lado, mas isto está muito mal é para as Mulheres solteiras e viúvas :)))
Então vejamos pelo prisma feminino,
sabemos que há 1 HOMEM para cada 7 MULHERES.
Deve ser por isso que há lésbicas, coitadas...
Agora imagine com tantos gays, qual será a verdadeira proporção. 1 para 20???
Sabe que aqui há tempos, estávamos na minha cabeleireira, para além dela obviamente, eu e a minha médica de família, divorciada uma e mão solteira outra.
Ambos frescas e bem interessantes, no entanto a minha médica contou que tinha arranjado um namorado LINDO DE MORRER, a outra arregalou os olhos e disse "só eu nada"
Responde-lhe a médica "eu também nada".
Tinha descoberto numa viagem que fez com ele a Lisboa que ele era gay, gostava da companhia dela, mais nada.
Está a ver??? :))))))))))))))))
Beijinhos
Ná
Querido amigo Luís,
É sem dúvida um excelente texto que sem dúvida alerta para a reflexão e reposição dos valores perdidos.
Esperemos que vá servindo para alguma coisa.
Beijinhos
Ná
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