Ana vende doçura em frascos. Enche-os de compota de fruta, tapa-os e cola-lhes uma etiqueta, mas em vez de escrever compota disto ou compota daquilo, de amoras ou de pêssego, de marmelo ou de morango, escreve apenas Doçura. Senta-se no passeio com os frascos em frente, expostos no asfalto, junto aos pés, e não lhe faltam clientes. A compota vende-se muito bem e ninguém regressa para reclamar, quem compra julga que a doçura está toda nos olhos de Ana.
Ana vende a doçura que tem no olhar e a doçura que embala nos frascos de vidro. É isso o que faz, sentada no passeio do Mercado, pelo menos desde que desistiu de escrever poemas.
Na escola, a professora da Ana não se cansava de lhe gabar a delicadeza das composições que escrevia. A professora ordenava às crianças que escrevessem uma composição sobre isto ou aquilo, sobre a Primavera ou sobre o Natal, e o que Ana fazia era sempre igual, escrevia no topo da folha pautada a palavra Composição com essa mesma letra indecisa e pequena que hoje lhe serve para escrever Doçura nas etiquetas dos frascos de doce – e depois deixava que a cabeça a levasse para longe, para o mundo impalpável das coisas que estão escritas nas páginas dos livros. Escrevia sobre bosques impenetráveis e montanhas verdejantes, sobre belos guerreiros medievais e cidades de prédios muito altos, ainda que não houvesse na sua terra nenhuma das coisas que descrevia e, por isso, ela nunca tivesse visto bosque algum, nenhuma paisagem alpina ou um príncipe que fosse. E um dia, mais do que gabar-lhe a composição e afagar-lhe o cabelo, a professora disse "Um dia ainda vais ser poeta, Ana."
E a Ana conseguiu imaginar que era poeta, que escrevia livros iguais aos que gostava de ler à noite. Cresceu, por isso, julgando que, um dia, escreveria poemas e frases bonitas sobre a sua terra, sobre o Natal que tanto amava, que as crianças das outras partes do mundo leriam o que escrevesse e sonhariam com a lua cheia que vem namorar o mar.
Eu que vivo no outro lado do Mundo, longe do mar, num prédio alto e cinzento, igual aos que Ana imagina quando tem que escrever uma composição sobre A Cidade.
Desta janela, tendo defronte apenas as janelas gémeas de um prédio igual, encosto a face ao vidro da varanda e adivinho o frio que faz lá fora (todo o frio me parece muito desde o dia perverso em que o Verão termina).
É aqui que encostado ao vidro, espero que venha o raio morno que o sol derrama quando se eleva acima da massa sombria dos prédios da cidade.
Então, e por um instante, fecho os olhos, esqueço o Inverno e imagino que ainda é Verão, que a cidade lá fora é a Praia onde está sentada a Ana, no passeio a vender Doçura desde o dia em que soube que não seria poeta.
Eu sei bem o que sente Ana quando se lembra que não será poeta. Sei-o porque houve um tempo em que tentaram convencer-me, entre outras falsidades, que alguns dos textos que escrevia possuíam qualidades que os aproximavam da poesia.
Hoje, porém, estou convencido de que o esquecimento é o melhor destino que lhes posso dar.
Escrevo prosa, portanto, e faço-o talvez porque isto me permite ser um pouco poeta; algo como um poeta sem talento para escrever versos. Sei apenas, quanto muito, imaginar e sonhar. E escrever composições que imagino semelhantes às que Ana redigia na escola, que falam de mundos que eu não conheço, mas que invento a partir das paisagens que existem nas imagens e nos livros. Esta tarde estou a escrever sobre a Ana.
As pessoas passam e vêem Ana, a vender a Doçura em frascos.
Muitas param para comprar, uns levam apenas a compota, outros vêm pela imensa doçura que há nos olhos da menina moça, pelo sorriso imenso que o rosto dela desenha.
Quando regressar a casa depois de ter vendido todos os frascos, Ana levará o dinheiro apertado na mão, firmemente, feliz por ter vendido toda a compota e triste por não ter podido ser poeta. Vai caminhando de cabeça erguida, devagar, como se o seu andar fosse uma pausa entre a ida veloz dos passos de uns e a vinda apressada dos passos dos outros. Vai inventando poemas que não escreverá jamais, embora Ana ainda pense que ainda é poeta, que são poemas as frases com que imagina príncipes e cidades imensas de vidro e aço.
Sonha com os livros que escreveria se não fosse menina pobre e a vida tivesse permitido que o vaticínio da velha mestra se concretizasse. “Um dia ainda vais ser poeta, Ana.”
Às vezes, pensando nisto, Ana ainda se entristece. Olhando-a a partir da minha janela do país onde é quase sempre Inverno, vejo que as estrelas que se lhe reflectem no orvalho dos olhos. Vejo isto e enterneço-me. Daqui longe fecho os meus olhos e sussurro bem baixinho a única verdade que existe, para que ela a oiça, que não há no mundo todo maior poema do que vê-la,sentada no passeio, a vender a Doçura que tem nos frascos.
Ana vende a doçura que tem no olhar e a doçura que embala nos frascos de vidro. É isso o que faz, sentada no passeio do Mercado, pelo menos desde que desistiu de escrever poemas.
Na escola, a professora da Ana não se cansava de lhe gabar a delicadeza das composições que escrevia. A professora ordenava às crianças que escrevessem uma composição sobre isto ou aquilo, sobre a Primavera ou sobre o Natal, e o que Ana fazia era sempre igual, escrevia no topo da folha pautada a palavra Composição com essa mesma letra indecisa e pequena que hoje lhe serve para escrever Doçura nas etiquetas dos frascos de doce – e depois deixava que a cabeça a levasse para longe, para o mundo impalpável das coisas que estão escritas nas páginas dos livros. Escrevia sobre bosques impenetráveis e montanhas verdejantes, sobre belos guerreiros medievais e cidades de prédios muito altos, ainda que não houvesse na sua terra nenhuma das coisas que descrevia e, por isso, ela nunca tivesse visto bosque algum, nenhuma paisagem alpina ou um príncipe que fosse. E um dia, mais do que gabar-lhe a composição e afagar-lhe o cabelo, a professora disse "Um dia ainda vais ser poeta, Ana."
E a Ana conseguiu imaginar que era poeta, que escrevia livros iguais aos que gostava de ler à noite. Cresceu, por isso, julgando que, um dia, escreveria poemas e frases bonitas sobre a sua terra, sobre o Natal que tanto amava, que as crianças das outras partes do mundo leriam o que escrevesse e sonhariam com a lua cheia que vem namorar o mar.
Eu que vivo no outro lado do Mundo, longe do mar, num prédio alto e cinzento, igual aos que Ana imagina quando tem que escrever uma composição sobre A Cidade.
Desta janela, tendo defronte apenas as janelas gémeas de um prédio igual, encosto a face ao vidro da varanda e adivinho o frio que faz lá fora (todo o frio me parece muito desde o dia perverso em que o Verão termina).
É aqui que encostado ao vidro, espero que venha o raio morno que o sol derrama quando se eleva acima da massa sombria dos prédios da cidade.
Então, e por um instante, fecho os olhos, esqueço o Inverno e imagino que ainda é Verão, que a cidade lá fora é a Praia onde está sentada a Ana, no passeio a vender Doçura desde o dia em que soube que não seria poeta.
Eu sei bem o que sente Ana quando se lembra que não será poeta. Sei-o porque houve um tempo em que tentaram convencer-me, entre outras falsidades, que alguns dos textos que escrevia possuíam qualidades que os aproximavam da poesia.
Hoje, porém, estou convencido de que o esquecimento é o melhor destino que lhes posso dar.
Escrevo prosa, portanto, e faço-o talvez porque isto me permite ser um pouco poeta; algo como um poeta sem talento para escrever versos. Sei apenas, quanto muito, imaginar e sonhar. E escrever composições que imagino semelhantes às que Ana redigia na escola, que falam de mundos que eu não conheço, mas que invento a partir das paisagens que existem nas imagens e nos livros. Esta tarde estou a escrever sobre a Ana.
As pessoas passam e vêem Ana, a vender a Doçura em frascos.
Muitas param para comprar, uns levam apenas a compota, outros vêm pela imensa doçura que há nos olhos da menina moça, pelo sorriso imenso que o rosto dela desenha.
Quando regressar a casa depois de ter vendido todos os frascos, Ana levará o dinheiro apertado na mão, firmemente, feliz por ter vendido toda a compota e triste por não ter podido ser poeta. Vai caminhando de cabeça erguida, devagar, como se o seu andar fosse uma pausa entre a ida veloz dos passos de uns e a vinda apressada dos passos dos outros. Vai inventando poemas que não escreverá jamais, embora Ana ainda pense que ainda é poeta, que são poemas as frases com que imagina príncipes e cidades imensas de vidro e aço.
Sonha com os livros que escreveria se não fosse menina pobre e a vida tivesse permitido que o vaticínio da velha mestra se concretizasse. “Um dia ainda vais ser poeta, Ana.”
Às vezes, pensando nisto, Ana ainda se entristece. Olhando-a a partir da minha janela do país onde é quase sempre Inverno, vejo que as estrelas que se lhe reflectem no orvalho dos olhos. Vejo isto e enterneço-me. Daqui longe fecho os meus olhos e sussurro bem baixinho a única verdade que existe, para que ela a oiça, que não há no mundo todo maior poema do que vê-la,sentada no passeio, a vender a Doçura que tem nos frascos.
Conto de Jorge Marmelo
Este texto foi publicado Na Casa do Rua há bastante tempo atrás, não tenho a certeza absoluta se o publiquei também aqui ou não. Chamei-lhe na altura, Ana e a sua doçura!
De qualque forma, e porque esta ideia não me sai da cabeça,todo este texto me faz lembrar a nossa Ana e a sua doçura, neste caso noutro contexto, decidi publicá-lo correndo o risco de o estar a repetir.
Gostaria muito de saber se posso contar com todos, colegas, amigos, leitores, editores, para ajudar a nossa querida Ana Martins, a nossa poetisa a concretizar o seu sonho...editar o seu livro de poesias.
Espero obter respostas concretas.
Imagem da Net
Fernanda Ferreira
Na Casa do Rau
13 comentários:
Minha Querida Amiga NÁ,
Claro que o seu conto se encaixa na nossa Querida Amiga Ana Martins. Ela é poetisa é doçura e merece todo o nosso apoio para concretizar o "seu livro de poemas"! Estou consigo nesse movimento solidário!
Beijinhos amigos.
Querido amigo Luís,
Obrigada!
Sei que posso contar sempre consigo.
Conheço a opinião da Ana, mas gostava que ela confirmasse aqui, perante todos que está de acordo em que levemos esta acção até ao fim, até vermos o livro publicado.
Li há dias no Blog de uma amiga poetisa, que não devemos pagar para editar um livro.
Que quem tem valor, como é o caso da Ana, sem dúvida alguma, deve procurar as editoras e mostrar o seu trabalho, o seu valor.
Vamos começar por aí.
Quem vive nas grandes cidades tem mais facilidade, por isso a sua ajuda pode ser preciosa.
A sua e a de todos que estejam na disposição de dar um empurrãozinho, só isso.
Basta copiar aqui do Blog alguns dos seus poemas e como amostra levar à divulgação da autora junto das editoras.
Eu vou tentar tudo via InterNet, uma vez que já tentei com a Maria José Areal na mesma editora dela, mas a própria paga para ver os seus livros publicados, o que é inconcebível.
Lemos há dias um texto do amigo João que contava a história do menino prodígio que aconselhado pela a professora e bem apoiado pelos pais consegui essa proeza.
Desde então não consigo deixar de pensar que à Ana lhe foi dito o mesmo, rigorosamente o mesmo, mas falta qualquer coisa, e não é falta de talento, isso nós sabemos.
Peço-vos a todos, amigos e leitores, amigos poetas com livros editados que nos ajudem a realizar um sonho que deixou de ser só da Ana Martins, a nossa Ana Doçura, mas de todos.
Por favor, não deixe de nos dar opiniões, pistas, orientações.
Beijinhos, em especial ao meu querido amigo Luís que nunca diz não a nada.
Não fiquemos só nas palavras, passemos à acção. A palavra impossível não existe entre nós.
Ná
Olá Ná!
Estou solidária, verei com amigos e com o David o que se pode fazer.
Dar-te-ei notícias rapidamente.
Beijos
Beatriz
Querida Ná,
Da notícia da menina de 9 anos que publicou um livro deduzi que o compromisso dos pais com a editora foi comprarem 200 livros que eles tiveram a sorte de vender logo no momento do lançamento ou pouco depois. Conheci um outro caso de um indivíduo que escreveu um livro sobre o pai, com coisas que ele tinha deixado em manuscrito e que ele andou a vender às livrarias, pouco colaborantes. Tratava-se de um livro sobre a arte equestre em que o pai tinha sido exímio mas que interessa a pouca gente. Já faleceu e penso que ficou com muitos livros em casa!
Hoje os livros têm pouca procura e é preciso impô-los às pessoas de forma a que não possam esquivar-se sem os comprar! Publica-se em demasia e coisas de pouco interesse, e isso prejudica obras de valor como será o caso das poesias da nossa amiga Ana.
desejo que se consiga o maior êxito
Beijos
João
Do Miradouro
Olá Ná!
Quando comecei a ler, e ainda não tinha chegado ao fim e lido o resto,
veio-me logo um nome à ideia - Ana Martins - por alguma coisa foi...
Já não lia poesia com tanto gosto como tenho lido os poemas que ela nos via mostrando. Acho mesmo que merece ver um livro publicado e já lho disse.
Espero que este seu movimento dê os seus frutos. Se eu como leitora poder ajudar de alguma maneira, é só dizer, já que não conheço ninguém ligado a editoras.
Beijinhos
Querida Amiga NÁ,
Sem compromisso irei falar com um amigo editor para saber da viabilidade, ok?
Beijinhos amigos.
Queridos amigos,
Todos podemos ajudar de alguma forma, ou falando com editores, caso do Luís, obrigadão amigo, ou tendo apenas algum tempo disponível, copiar alguns poemas da Ana e levá-los ao conhecimento das editoras.
Falar com amigos que saibam, que tenham já publicado, tudo é válido e nada custa quando a vontade é muita.
Há tempos falei com a Maria José Areal que tem, como sabem, livros editados, em Vigo - Espanha, não admira, estamos a dois passos de Espanha.
Ela prontificou-se logo a ajudar, mas ... na altura ela disse-me que esta editora só publica no mínimo 500 exemplares e deu-me os custos aproximados, que posso voltar a saber e até com mais rigor.
Na altura fizemos contas e chegamos à conclusão que qualquer pessoa que ame, como nós os poemas da Ana e confie na sua honra e na minha, poderia adiantar 10€ ...e mal o livro saísse recebê-lo-ia imediatamente, seria como um pré pagamento pela obra.
Só teríamos que arranjar um número elevado de interessados no livro.
Como disse posso voltar aos números que já tive e com rigor, mas vejamos, se cada um de nós, e os que vieram a juntar-se a nós neste gesto lindo, falar com os seus amigos, e conseguir que os mesmos se interessem, a Ana abriria uma conta para o efeito, faria o NIB e nós iríamos depositando o dinheiro, que só ela controlaria, quando fosse atingida a verba necessária dar-se-ia a informação e avançasse com o projecto.
Sei que isto é uma das formas, e é preciso muita confiança nas pessoas, mas quem não confia na nossa Ana não confia em ninguém, nem em si próprio.
Como sempre disse, o ideal é que haja mesmo uma editora que se interessa e não peça nada à cabeça para a publicação, depois é só preciso ajudar a esgotar os livros, o que não me parece nada difícil.
Há pouco tempo comprei um livro à amiga Lili Laranjo por 9,90€, co portes incluídos.
A Net dá-nos inúmeras possibilidades de divulgação e de entreajuda.
Pensemos todos em soluções e ajudem a tornar este sonho lindo da Ana numa realidade muito merecida.
Obrigada
Ná
Querida Ná,
fui apanhada de surpresa, o post tinha-me passado completamente, não tenho andado muito na net, peço imensa desculpa por todo este silêncio, mas não o tinha visto de todo.
Muito obrigada pelo apoio de todos e a ti Ná, muito obrigada pela iniciativa.
Bem-Hajam!
Ave Sem Asas
Amiga Ana querida amiga,
Sei das razões porque tens estado mais "ausente"...
Não te preocupes, entendo perfeitamente.
Não me agradeças, este assunro não pode é ficar adormecido e era importante que revelasses a tua posição para darmos andamento ao projecto com mais segurança, com o teu apoio total.
Beijinhos muitos,
Ná
Meus amigos,
Confesso qu esperava mais ...muito mais de todos.
Pela minha parte, este tema está longe de estar encerrado.
Sei que todos unidos faríamos o possível e o que a Ana merece.
Eu já vi, até na Net, formas de tornar possível este "sonho".
Ana, querida amiga, pelo teu valor, pela pessoa linda que és, tu vais publicar todos os livros que entenderes, eu não me esqueci e tudo farei.
Conta comigo, a palavra "impossível" não exite no meu vocabulário.
Beijos
Ná
Ana, querida!
Vê este site - http://rascunho.iol.pt/artigo.php?id=2089
Vou também falar com a Lili Laranjo.
Beijos
Ná
Mas não há dúvidas de que SIM. É preciso que quem tenha contactos com editores, directa ou indirectamente, ajude a dar o primeiro passo. A solução da Ná de cada um ficar com um
livro, no mínimo, será um bom apoio. E o momento do lançamento da obra será oportunidade de vender uma boa quantidade com autógrafo. Antes disso, os nossos blogs farão a publicidade do acontecimento.
Há todas as razões para ser um sucesso.
Querida Ná, A partir de agora, em cada poema que a Ana publicar vamos falar da breve saída do seu primeiro livro.
Beijos para a Ná e para a Ana
João
Querido João,
Vamos sim!
Não desarmemos!
O mais importante é lutar pelos nossos sonhos e ajudar, o mais possível, a que os dos outros se concretizem também.
Beijinhos
Ná
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