21/05/2010

O quadro feito por medida













Nas minhas pesquisas na Net, ao encontrar a fonte destas pequenas maravilhas, devo ter feito algo mágico, uma vez que passei a receber a história do dia todos os dias.
Estes pequenos contos são exactamente o que eu precisava, são perfeitos para o fim a que se destina; levar as pessoas a ler, a voltar ao hábito perdido da salutar leitura, mesmo que aparentemente simples, estes contos têm todos uma lição importante a dar.
Espero que gostem tanto dele quanto eu.


Um senhor muito rico contratou um pintor muito pobre para lhe pintar um quadro.
- Eu pago-lhe tudo - anunciou o senhor rico. - Pago-lhe as tintas, a tela, os pincéis e pago-lhe o trabalho. Pago-lhe bem. Principescamente! Como nunca ninguém lhe pagou.
O pintor sorriu. Era um sorriso triste o do pintor.
- Mas se lhe pago bem, quero uma pintura ao meu jeito, como se fosse eu a pintar, se tivesse tempo para isso.
O pintor voltou a sorrir tristemente.
- Primeiro quero que ponha no quadro muitas nuvens - comandou o senhor muito rico. - Quero nuvens cinzentas, cor-de-rosa, brancas... enfim, nuvens... Há-de pintar, depois, uns pássaros a voar no céu, mas essa parte da composição fica ao seu cuidado. Por agora, à minha conta, quero as nuvens.
O pintor obedeceu.
- Agora quero, deixe-me pensar... Quero uma montanha com uma casa, ao cimo, ou melhor, um palácio, um enorme palácio, encarrapitado na montanha... Exactamente. Fica bem assim.
O senhor muito rico estava satisfeito com a sua obra. O pintor, nem por isso.
- Agora, deixe-me ver, apetecia-me um barco, ou melhor, um vapor, ou melhor, um iate, um magnífico iate...
- Mas não há mar - lembrou o pintor.
- Pinte-o, ora essa! Isso é um pormenor da sua responsabilidade.
Entretanto, tocaram ao telefone para o senhor muito rico. Era o secretário a recordar-lhe que tinha de presidir a uma reunião importantíssima, numa das várias empresas de que o senhor rico era presidente.
- Vou interromper a sessão de pintura - disse o senhor muito rico. - Mas, praticamente, o quadro está no fim. Vá pintando o mar, porque, quando eu vier, quero ver o efeito.
E o senhor muito rico virou costas ao quadro e abandonou o salão.
Ficou o pintor sozinho a pintar o mar. Esmerou-se no seu trabalho.
Passado horas, o senhor muito rico regressou. Foi logo direito ao quadro:
- Que disparate de mar é este? Quem lhe mandou pintar estes peixes?
- O mar tem peixes - esclareceu o pintor, sorrindo.
Já não era um sorriso triste o do pintor.
- Mas aqui há peixes a mais. Quase não deixam o meu iate prosseguir viagem. Atravancam tudo.
- É um grande cardume. Uma multidão de peixes miúdos: sardinhas, carapaus, cachuchos... - explicou o pintor.
Mas o senhor muito rico já estava com os olhos noutro ponto do quadro:
- Estes pássaros, donde vêm?
- Foi o senhor que mandou.
- Mas não mandei pintar tantos. Estes pássaros todos tapam as minhas nuvens, ensombram o meu palácio, tiram-me o ar, caramba.
- São bandos maciços de pássaros, que decidiram voar juntos - explicou o pintor. - Andorinhas, pardais, pombos, rolas...
O senhor muito rico não o ouvia. Uma outra particularidade do quadro chamara-lhe a atenção:
- Oiça lá, seu pintor, não lhe parece que esta parede do palácio está um bocadinho estalada?
O pintor, sorrindo abertamente, elogiou o senhor muito rico:
- A sua observação é extremamente oportuna. Se a parede está assim, um tanto rachada, mais real se torna e melhor se destaca a grandiosidade do conjunto.
- E o meu iate não está um bocadinho a descair para um lado? - estranhou o senhor muito rico.
- Também foi de propósito - respondeu o pintor. - Adornei sensivelmente o barco para defender o realismo e a beleza da cena.
O senhor muito rico ainda espreitou, em bicos de pés, para um outro pormenor do quadro, mas já não tinha mais nada a dizer. Por isso pagou ao pintor e foi à sua vida. O pintor também.
O quadro, esse nunca o expôs na sala a que o tinha destinado.

Muitos anos depois, foram encontrar o quadro numa arrecadação do escritório do senhor muito rico. Estava virado para a parede, cheio de pó e tão abandonado, que parecia muito mais antigo do que era na realidade.
Quem o conhecera, acabado de pintar, achou-o diferente. O palácio, no alto da montanha, estava em ruínas. Servia de poiso e abrigo aos pássaros, que há volta dele continuavam a voar. Pelo seu lado, o iate tinha ido ao fundo. Distinguiam-se os peixes, que nadavam livremente pelo meio dos destroços do barco, coberto de lodo.
Era um quadro estranho, mas de uma grande beleza. Chamaram o pintor já muito velho e mostraram-lhe o quadro. Ele, vendo o quadro que em jovem pintara, e que tão diferente já estava, limitou-se a sorrir. Não era um sorriso triste. Não era, realmente, um sorriso nada triste o do pintor.

Pintura de Charles Henri Joseph

Por António Torrado | Cristina Malaquias, 21 de Maio de 2009
Fernanda Ferreira Ná

6 comentários:

A. João Soares disse...

Querida Amiga Ná,

Estava a ler e a recordar-me da nossa actividade em conjunto, quando me encomenda um pequeno texto em nome do SJ por um ou outro motivo! Não há do «patrão», neste caso seria «patroa», qualquer exigência ou condicionamento.

Na vida, infelizmente, notoriamente na política, vemos muitos maus exemplos de abusos do poder, de arrogância, prepotência, teimosia de pessoas que se consideram detentoras de todo o bom gosto, toda a razão, verdade, sensatez, saber, etc, etc mas que afinal não passam de deslumbrados, ofuscados, novos-ricos que, por falta de bom senso, acabam com o barco naufragado e o palácio em ruínas.

Um belo conto. Parabéns por o ter publicado.

Beijos
João
Do Miradouro

Sonhadora (Rosa Maria) disse...

Minha querida Fernanda
Um belo conto, gostei muito de ler, é lindo.

Beijinhos
Sonhadora

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Querido amigo João,

Nós nesse aspecto e não só, não temos problemas alguns.
O patrão que comece já a preparar o texto para a festa à Ana (não estou a cantar vitória antes do tempo, aliás tenho estado a votar sempre que me é permitido e a comentar, nada de desarmar.....), mas convém ter algo já na gaveta ;)))))

Pois é meu amigo João, infelizmente há muitos a quem parece que lhes saiu a lotaria, o Euromilhões, o que cria excêntricos ;)))))
O poder e o dinheiro que dele advém, é muitíssimas vezes estragado na mão de gente mentecapta e sem qualquer noção de bom gosto e até de educação.

Quando eu fazia algumas coisitas de pintura, pintei uma cena de caça. Nessa altura eu tinha quadros em algumas lojas de amigas, que me faziam o favor de irem vendendo.
Essa cena de caça foi comprada por um casal espanhol.
Mas havia uma senhora de uma loja perto que tinha ficado com o olho no quadro.
Quando soube que o quadro tinha sido vendido, passou cá por casa para me encomendar um igual.
Eu não consigo pintar nada igual, não se deve, mas há quem o faça.
Disse-lhe que faria algo semelhante.
O que aconteceu, é que a dita senhora quando veio buscar o quadro, disse-me com má cara, que não era de todo igual e que até os patos eram mais magros...
Essa dos patos mais magros nunca mais esquecerei:)))
Moral da história, eu já não lhe vendi o quadro, ela bem que o queria, a um preço mais baixo...se calhar porque tinha que engordar os patos :))))
Disse-lhe então, que quando visse alguma pintura minha que gostasse que comprasse, mas por encomenda nunca mais.
Essa nem sequer era nova rica, era só uma pessoa de de arte nada percebia.

Beijinhos

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Amiga Sonhadora,

É sempre com muita alegria que registo que gostam do que publico.
Obrigada amiga.

Beijinhos

Luis disse...

Querida NÁ,
Adorei o conto mas a história da senhora que queria engordar os patos à sua custa deu-me para ficar a rir e a pensar na desfaçatez da dita... Ela há cada uma!!!
Tenho seguido o seu alvitre e tenho ido votar na Ana que vai muito bensinho. É a nossa Amizade a vir ao de cima!
Um beijinho muito amigo

Fernanda Ferreira - Ná disse...

Querido amigo Luís,

É de morrer a rir, não é???
Eu cada vez que me lembro da dos patos magros, desfaço-me a rir.
Na altura não, fiquei danada. As pessoas dizem coisas que nem ao diabo lembra....

A nossa Ana está agora com 443 versus 226, o que me leva a crer que a vitória está assegurada, mas eu continuo a votar e peço o mesmo a todos.
Quem merece mais do que a nossa Ana???

Beijinhos