06/12/2010

Verdadeira Fé vs espectáculo

Há pouco encontrei no restaurante um amigo e estivemos a desenrolar uma conversa que passou por vários temas e este que vou referir merece a melhor reflexão. Vem ao encontro das reflexões natalícias da bloguista orvalho do céu com o blogue espiritual-idade e outros.

Entre a realidade e a aparência pode existir grande distância, tal como entre o papaguear um texto ou uma prece e a sua compreensão, interiorização e concretização em comportamentos.

A propósito de que a felicidade é agora e não devemos desprezá-la agora com a intenção de a termos amanhã, porque com isso acabaremos por nunca a saborearmos - e ela depende de nós, como diz a frase de autor desconhecido «as pessoas mais felizes não têm o melhor de tudo, mas tiram o melhor partido de tudo o que têm» - veio-me à memória uma entrevista de Simone de Beauvoir (faleceu 14 de Abril de 1984) que, passados alguns minutos e várias perguntas depois de ter dito que era agnóstica, sem ligação a qualquer religião, foi-lhe perguntado qual o texto que mais a tinha impressionado durante a vida.

Inesperadamente, depois da resposta atrás referida, respondeu que foi o «Pai Nosso», uma pequena oração católica dividida em duas partes, sendo a primeira uma veneração ou louvor a Deus e a segunda um pedido. Nela consta o essencial para orientarmos toda a vida prática no melhor sentido. Da primeira parte salientou «seja feita a vossa vontade assim na Terra como no Céu», isto é um apelo a cumprirmos os «mandamentos», os bons conselhos, as boas normas, o respeito pelos valores. Na segunda parte referiu duas regras de boa conduta «o pão nosso de cada dia nos dai hoje», com o significado de não ser ambicioso, procurar, agora, tirar o melhor partido do que se tem, ser feliz neste momento, com aquilo, mesmo pouco, de que dispomos. Pensar na realidade actual, da melhor forma significa também nada fazer que prejudique outros ou o nosso futuro. A segunda regra é «perdoai as nossas ofensas assim como perdoamos a quem nos tem ofendido», e significa que devemos respeitar os outros, amar os outros como a nós mesmos, recusar ódios, rancores, invejas, vinganças.

Depois o interlocutor disse que muita gente que diz imensas vezes esta oração nunca parou para meditar nestes pormenores que sensibilizaram a intelectual agnóstica. Contou que há dois ou três anos, em 12 de Maio em Fátima, a televisão conversou com peregrinas que se arrastavam de joelhos em cumprimento de promessas. Uma senhora idosa estava a satisfazer a promessa que fizera quando pediu que o filho não morresse na guerra do Ultramar e ele regressou bem. Outra mais jovem estava a cumprir a promessa por a Nossa Senhora lhe ter satisfeito um pedido que lhe fez dois anos antes. Dava-se muito mal com a sogra, esta fazia-lhe a vida num inferno e pediu à Nossa Senhora que lhe resolvesse o problema, e ela dava-lhe uma importância e faria de joelhos um dado percurso. E a Nossa Senhora fez-lhe o favor de «levar a sogra».

Enfim, pessoas que se preocupam com a parte espectacular e que se intitulam muito religiosas, com muita fé, dão à religião uma interpretação que é ofensiva, como é este caso de contratar a Nossa Senhora para lhe matar a sogra, como se fosse um assassino profissional, à semelhança daquele que liquidou a amiga e secretária de Tomé Feteira (lembram-se?). Esta senhora nora, apesar de católica, nunca meditou no significado do Pai-Nosso, que Simone de Beauvoir, uma agnóstica, tanto apreciava.

Imagem da Net

7 comentários:

Anónimo disse...

Religião é um assunto bastante complexo,eu tenho a minha doutrina e ñ abro mão dela. Porém,respeito as das demais.
Beijo grande.

Sergio disse...

Hola,

es verdad... hay cosas que no se entienden...

Saludos argentinos,

Sergio.

A. João Soares disse...

Pérola,
Muito grato pela visita e pelo comentário. Tem muita razão. Religião náo é fato que se troque todos os dias. É para sempre, para que depois da morte se receba o prémio da salvação pelos méritos obtidos durante a vida. E isso significa que se respeite os outros, os seguidores de outros caminhos.
Quando se diz «amar os outros como a nós mesmos» significa amar os diferentes em qualquer coisa, cor, religião, clube desportivo, partido político. Mas as religiões raramente seguem estas palavras do Redentor e classificam os outros dom os piores epítetos.
Mas o texto pretendia mostrar que há «crentes» como a que queria ver-se livre da sogra que não seguem as palavras do Pai Nosso. São os tais seguidores dos rituais, do espectáculo, mas não têm uma Fé verdadeira, não interiorizam os mandamentos.

Beijos
João
Do Miradouro

A. João Soares disse...

Caro Sérgio,

Há realmente coisas difíceis de compreender. As convicções das pessoas são muitas vezes desprovidas de racionalidade. criam ideias que parecem preconceitos, crenças ou superstições e chamam-lhes religião, que as leva a participar nos actos visíveis mas sem procurarem inteirar-se do verdadeiro significado de cada gesto, das preces. O pior é que agora já não seguem o «pastor» e, por isso, falta-lhes um apoio que lhes era útil, em tempos não muito recuados.

Um abraço
João
Saúde e Alimentação

orvalho do ceu disse...

Olá, João
Caro amigo, gostei muito da abordagem do Pai Nosso... realmente a concatenação da Fé e Vida é um desafio da maioria de nós...
Procuro fazer meu exame diário... assim "erro menos no alvo"...
E tem o mais importante:O Pai de Misericórida vem ao meu encontro e das minhas fragilidades... SEMPRE... me ensinando e cuidando de mim como um BOM PASTOR... Ele me guia no caminho do BEM... independente de frequentar a Igreja Católica que está em meu coração... pela Fé que recebi no meu Batismo...
É tão bom a gente dar razões da nossa fé... como vc muito bem fez. Parabéns!!!
Se mudar de ideia, insira-se em nossa Blogagem Coletiva Natal... será um prazer enorme aprender com sua maneira de ver e sentir as coisas, meu irmão.
Obrigado pelo carinho ao citar meu Blog.
Abraços fraternos e bjs de paz.

A. João Soares disse...

Amiga Orvalho,

Muito obrigado pelas palavras simpáticas. Talvez esteja acostumado a ser muito racional procurando compreender as coisas e isso leva-me por vezes a ser irreverente e incómodo. Mas acho preferível ser assim do que ser arrastado por outros mantendo-me passivo e apático.

Beijos
João
Saúde e Alimentação

Luis disse...

Caríssimo Amigo João,
Tema muito interessante, bem comentado por ti e com o seu quê de polémico! Achei igualmente interessante alguns dos comentários feitos ao post e lembrei-me que igualmente procuro diáriamente analizar-me para me corrigir de erros que tenha cometido! Pois errar é próprio do Homem mas há que saber corrigir esses erros... Faço por isso!
Procuro quando rezo não o fazer sem refletir nas palavras que constituem as orações para me aperceber da sua razão de ser, mas reconheço que muita gente o faz sem se aperceber do verdadeiro sentido dessas suas palavras.
Um abraço amigo.