16/12/2010

DIA DE NATAL


Hoje é dia de ser bom.
É dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
de falar e de ouvir com mavioso tom,
de abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.

É dia de pensar nos outros— coitadinhos— nos que padecem,
de lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria,
de perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
de meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.

Comove tanta fraternidade universal.
É só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
como se de anjos fosse,
numa toada doce,
de violas e banjos,
Entoa gravemente um hino ao Criador.
E mal se extinguem os clamores plangentes,
a voz do locutor
anuncia o melhor dos detergentes.

De novo a melopeia inunda a Terra e o Céu
e as vozes crescem num fervor patético.
(Vossa Excelência verificou a hora exacta em que o Menino Jesus nasceu?
Não seja estúpido! Compre imediatamente um relógio de pulso antimagnético.)

Torna-se difícil caminhar nas preciosas ruas.
Toda a gente se acotovela, se multiplica em gestos, esfuziante.
Todos participam nas alegrias dos outros como se fossem suas
e fazem adeuses enluvados aos bons amigos que passam mais distante.

Nas lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
com subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
cintilam, sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
as belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.

Os olhos acorrem, num alvoroço liquefeito,
ao chamamento voluptuoso dos brilhos e das cores.
É como se tudo aquilo nos dissesse directamente respeito,
como se o Céu olhasse para nós e nos cobrisse de bênçãos e favores.

A Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
e compra— louvado seja o Senhor!— o que nunca tinha pensado comprado.

Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela véspera santa
a sua comoção é tanta, tanta, tanta,
que nem dorme serena.

Cada menino
abre um olhinho
na noite incerta
para ver se a aurora
já está desperta.
De manhãzinha,
salta da cama,
corre à cozinha
mesmo em pijama.

Ah!!!!!!!!!!

Na branda macieza
da matutina luz
aguarda-o a surpresa
do Menino Jesus.

Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora.

Que alegria
reinou naquela casa em todo o santo dia!
O Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
fuzilava tudo com devastadoras rajadas
e obrigava as criadas
a caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá.

Já está!
E fazia-as erguer para de novo matá-las.
E até mesmo a mamã e o sisudo papá
fingiam
que caíam
crivados de balas.

Dia de Confraternização Universal,
Dia de Amor, de Paz, de Felicidade,
de Sonhos e Venturas.
É dia de Natal.
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória a Deus nas Alturas.

António Gedeão 

5 comentários:

Fê blue bird disse...

Amigos e amigas:
Este poema faz-nos reflectir.
O espírito de Natal está adulterado, transformado em consumismo.
Este poema do nosso poeta Gedeão é um alerta, será que ainda vamos a tempo?

beijinhos a todos

orvalho do ceu disse...

Olá, amigos
Excelente post!!!
"Jesus
o doce Jesus,
o mesmo que nasceu na manjedoura,
veio pôr no sapatinho
do Pedrinho
uma metralhadora".

Essa estrofe é fantástica... Um contraste e tanto!!!
Abraços fraternais

A. João Soares disse...

Amiga Fê,

Transcrevo algumas palavras de um comentário que fiz há pouco:
«O menino Jesus, nasceu com a maior simplicidade, pobreza e humildade mas apesar disso, ou por isso, nunca deixará de ser lembrado. Será bom que nos lembremos dele mas com séria meditação das lições que nos deu de Paz, Amor, Respeito pelos outros, Civismo, educação e afastamento de tudo o que nos escravize. Cortar a árvore seca, decepar o braço que foi ferramenta de pecado...»

O consumismo, o apego às coisas materiais, inúteis, desnecessárias, não se coaduna com o ESPÍRITO de Natal. Gedeão teve a sensibilidade de pintar bem o quadro em que vivemos.
Amiga Fê, claro que ainda vamos a tempo, é sempre tempo de fazer o pouco que pudermos para contribuir para que a humanidade melhore. Porque a humanidade não são eles, somos todos nós, cada um de nós. Para que o planeta seja limpo, basta que cada um limpe o espaço à frente da sua casa da sua propriedade, que limpe a sua consciência, que aperfeiçoe o seu comportamento.
Desejo que nós, cada um de nós, prometa sinceramente a si próprio, passar a orientar-se sempre pelo espírito de Natal e tornar-se um ser mais perfeito.

Beijos
João
Do Miradouro

Emília Pinto disse...

Não conhecia este poema de António Gedeão, mas não poderia haver melhor carcterização dos Natais de hoje do que esta. Não passa disso mesmo o espírito Natalicio da nossa sociedade; está certo que até fazemos alguma coisa nesta época; somos mais solidários e pensamos mais nos outros. O problema é que até ao próximo Dezembro essa luz toda que brilha no ser humano se apaga e tudo volta à triste realidade. Tenho esperança que um dia as coisas mudem, mas para isso é preciso que mudemos de atitude; falamos, falamos e continuamos a consumir, a exagerar nas compras, a fazer desta época uma época de dívidas.Eu cada vez compro menos, os presentes já estão limitados à família e não tarda muito até estes acabarão; Natal é todos os dias, família tem que estar unida sempre e carinho esse deve ser distribuido a todo o momento. Haverá melhor presente do que atenção, carinho, visitas, telefonemas a saber como estamos? Por quê só nesta época? Não sou contra as festas Natalícias, sou sim contra o stress que elas provocam e o consumismo exagerado em que se tornaram. Um beijinho e obrigada por partilharem este belo poema
Emília

Unknown disse...

Desejo que Jesus renasça em cada manhã e em cada estrela que brilha no Cé.
Desejo que Jesus transforme o coração dos homens e o torne mais humano e justo, mais compassivo e cheio de amor.
São tantos desejos que nem vou dizê-los todos, mas Ele sabe-os todos.