07/02/2011

Gestão moderna é o inferno


Já há muito me tinha passado pelo Outlook este texto. Mas agora voltou e julgo não dever deixá-lo fugir. Eis esta maravilha, que me faz recordar, pelo contraste, o já antigo post «Quem sou?»


A morte da executiva bem-sucedida


Foi tudo muito rápido. A “executiva bem-sucedida” sentiu uma pontada no peito, vacilou, cambaleou. Deu um gemido e apagou-se. Quando voltou a abrir os olhos, viu-se diante de um imenso Portal.

Ainda meio tonta, atravessou-o e viu uma miríade de pessoas. Todas vestindo cândidos camisolões e caminhando despreocupadas. Sem entender bem o que estava a acontecer, a “executiva bem-sucedida” abordou um dos passantes:
- Enfermeiro, eu preciso voltar com urgência para o meu escritório, porque tenho um meeting importantíssimo. Aliás, acho que fui trazida para cá por engano, porque o meu seguro de saúde é Platina, e isto aqui está a parecer-me mais a urgência dum Hospital público. Onde é que nós estamos?
- No céu.
- No céu?...
- É.
- O céu, CÉU...?! Aquele com querubins, anjinhos e coisas assim?
- Exacto! Aqui vivemos todos em estado de graça permanente.
Apesar das óbvias evidências, ausência de poluição, toda a gente a sorrir, ninguém a usar telemóvel, a “executiva bem-sucedida” levou tempo a admitir que havia mesmo batido a bota.
Tentou então o plano B: convencer o interlocutor, por meio das infalíveis técnicas avançadas de negociação, de que aquela situação era inaceitável. Porque, ponderou, dali a uma semana iria receber o bónus anual, além de estar fortemente cotada para assumir a posição de presidente do conselho de administração da empresa.
E foi aí que o interlocutor sugeriu:
- Talvez seja melhor a senhora conversar com Pedro, o coordenador.
- É?! E como é que eu marco uma audiência? Ele tem secretária? 
- Não, não. Basta estalar os dedos e ele aparece.
 - Assim? (...) 
- Quem me chama?
A “executiva bem-sucedida” quase desabava da nuvem. À sua frente, imponente, segurando uma chave que mais parecia um martelo, estava o próprio Pedro.
Mas, a executiva tinha feito um curso intensivo de approach para situações inesperadas e reagiu logo:
- Bom dia. Muito prazer. Belas sandálias. Eu sou uma “executiva bem-sucedida” e...
- Executiva... Que palavra estranha. De que século veio?
- Do XXI. O distinto vai dizer-me que não conhece o termo 'executiva'?
- Já ouvi falar. Mas não é do meu tempo.
Foi então que a “executiva bem-sucedida” teve um insight. A máxima autoridade ali no paraíso aparentava ser um zero à esquerda em modernas técnicas de gestão empresarial. Logo, com seu brilhante currículo tecnocrático, a executiva poderia rapidamente assumir uma posição hierárquica, por assim dizer, celestial ali na organização.
- Sabe, meu caro Pedro. Se me permite, gostaria de lhe fazer uma proposta. Basta olhar para essa gente toda aí, só na palheta e andando a toa, para perceber que aqui no Paraíso há enormes oportunidades para dar um upgrade na produtividade sistémica.
- É mesmo?
- Pode acreditar, porque tenho PHD em reorganização. Por exemplo, não vejo ninguém usando identificação. Como é que a gente sabe quem é quem aqui, e quem faz o quê?
- Ah, não sabemos.
- Percebeu? Sem controlo, há dispersão. E dispersão gera desmotivação. Com o tempo isto aqui vai acabar em anarquia. Mas podemos resolver isso num instante implementando um simples programa de targets individuais e avaliação de performance.
- Que interessante...
- É claro que, antes de tudo, precisaríamos de uma hierarquização e um organograma funcional, nada que dinâmicas de grupo e avaliações de perfis psicológicos não consigam resolver.
- !!!...???...!!!...???...!!!
- Aí, contrataríamos uma consultoria especializada para nos ajudar a definir as estratégias operacionais e estabeleceríamos algumas metas factíveis de leverage, maximizando, dessa forma, o retorno do investimento do Grande Accionista... Ele existe, certo?
- Sobre todas as coisas.
- Óptimo. O passo seguinte seria partir para um downsizing progressivo, encontrar sinergias high-tech, redigir manuais de procedimento, definir o marketing mix e investir no desenvolvimento de produtos alternativos de alto valor agregado. O mercado telestérico, por exemplo, parece-me extremamente atractivo.
- Incrível!
- É óbvio que, para conseguir tudo isso, teremos de nomear um board de altíssimo nível. Com um pacote de remuneração atraente, é claro. Coisa assim de salário de seis dígitos e todos os fringe benefits e mordomias da praxe. Porque, agora falando de colega para colega, tenho a certeza de que vai concordar comigo, Pedro. O desafio que temos pela frente vai resultar num Turnaround radical.
- Impressionante!
- Isso significa que podemos partir para a implementação?
- Não. Significa que a senhora terá um futuro brilhante... se for trabalhar com o nosso concorrente. Porque acaba de descrever, exactamente, como funciona o Inferno... 

Max Gehringer
(Revista Exame) 

Imagem da Net

3 comentários:

celle disse...

João, até onde eu sei, a virtude reside no meio termo,em tudo na vida, por isso fui convidada a me maneirar na net...rsrsrsrs
Beijos
celle

A. João Soares disse...

Amiga Celle,

Faz bem em ter maneiras, em se comportar, rendo sempre em mente objectivos sérios e procurando as melhores vias para os atingir.
Nos dias actuais, em que o Deus mais adorado é o dinheiro, não é fácil escapar ao Inferno.

Pouca gente se compraz com vida simples, natural, como a descrita nos seguintes artigos de blog

http://domirante.blogspot.com/2009/05/um-dia-como-os-outros.html
http://domirante.blogspot.com/2010/02/dinheiro-nao-da-felicidade.html
http://domirante.blogspot.com/2010/03/dispensar-excessos-consumismo-e.html
http://domirante.blogspot.com/2010/04/simplicidade-na-vida.html
http://domirante.blogspot.com/2010/04/elogio-da-simplicidade.html

O dinheiro actua como droga poderosa de que é muito difícil uma pessoa libertar-se, porque exige muita força de vontade e desprendimento das riquezas materiais.

Beijos
João
Só imagens

Luis disse...

Caríssimo Amigo João,
Não é o dinheiro nem o poder que torna os homens maus mas sim a falta de ética e demais valores que transforma os homens em bestas!
O dinheiro e o poder nas mãos de homens sem princípios só lhes aumenta a bestialidade! Temos é que rever a actual Sociedade que perdeu por completo a noção dos Valores essenciais à Vida!!!
Um forte e muito amigo abraço.