18/02/2011

A Pérsia e o Egipto


Carter e Obama, 1979 e 2011
Em 1979 Jimmy Carter reagiu a um massivo levantamento popular no Irão, com o abandono do Xá, então um aliado chave dos EUA na região. O Xá era uma espécie de déspota esclarecido, com uma agenda de modernização que afrontava as mais arcaicas tradições religiosas muçulmanas e que, à força, como Kemal Ataturk, procurava ocidentalizar o país, por ver nisso uma boa via para trazer a Pérsia para o século XX.
Era um ditador num mundo de ditadores, mas era "o nosso ditador".
Contra o Xá alinhava-se uma estranha aliança de idiotas úteis (socialistas, comunistas e toda a galáxia antiamericana e antisemita) e islamistas. Estiveram juntos nas ruas, a festa era bonita, falava-se de democracia e liberdade.
Como não estar com eles? Como não estar do lado certo da História? Como não comungar do entusiasmo que as narrativas mediáticas veiculam?
E na verdade foram vários os especialistas que convenceram Carter de que se tratava de gente moderada, moderna, amante da liberdade, com a qual se podia estabelecer uma relação civilizada e que salvaguardasse os interesses dos povos.
Khomeini foi descrito como um pragmático no qual se podia confiar. O notório Richard Falk, hoje em dia mais conhecido pelo seu ódio a Israel, escreveu mesmo um artigo de opinião no New York Times, intitulado "Confiar em Khomeini".
Khomeini explorou sabiamente essa imagem, tendo avançado com nomes como Barzagan e outros, vistos como pessoas moderadas e racionais.
E Carter alienou prontamente o seu aliado, em troca de um prato de lentilhas de boas esperanças, tendo Khomeini chegado ao poder.
Uma vez instalado, rapidamente fez rolar as cabeças dos "moderados", instalando um regime islâmico que é hoje um dos piores inimigos do Ocidente, e do próprio povo iraniano, promotor de terrorismo e exportador de instabilidade.
Em 2011, Obama enfrenta uma situação arrepiantemente análoga e parece estar a repetir, ponto por ponto , a estratégia desastrosa de Carter.
Mubarak é um ditador, mas é o "nosso ditador". Nem sequer é o pior, no alfobre de ditaduras que é o mundo muçulmano. Na verdade é o principal aliado americano no mundo árabe, tal como era o Irão.
E o que faz Obama quando o seu maior aliado está encostado à parede?
Faz como Carter: aliena-o, e ameaça-o.
Na rua uma coligação de gente bem intencionada, idiotas úteis e islamistas, prepara-se para tomar o poder. Alguns especialistas explicam a Obama que se trata de gente moderada com a qual é possível estabelecer diálogo.
A Irmandade Muçulmana, um movimento tenebroso, que produziu o ideólogo da Al-Qaeda, Al-Zawarii, e centenas de terroristas encartad0s, versão sunita da ideologia revolucionária iraniana, avança a coberto de El Baradei, um "moderado" que, todavia, passou os últimos 10 anos a proteger o programa nuclear iraniano.
Se Mubarak cair e o regime implodir, não é provável que sejam as forças liberalizantes a assenhorear-se do poder, mas sim a bem organizada e poderosa Irmandade Muçulmana que, em surdina, vai chamando a El Baradei e aos "laicos", "burros da revolução", isto é, montadas nas quais se anda para atingir o poder.
Tal como em 1979, uma revoada de "especialistas" assegura que esta Irmandade Muçulmana é moderada e pragmática.
Face à atitude naive da Administração Obama, tudo se conjuga para um desastre em dois acordes: ou Mubarak resiste e não voltará a ver nos americanos um aliado fiável, ou a Irmandade chega ao poder, com consequências dramáticas para o Ocidente.
Em ambos os cenários, a América (e a Europa, by the way, cujos dirigentes têm sido de um espantoso histerismo na "exigência" de que Mubarak caia), deixarão de contar o Egipto como aliado.
E os aliados americanos por esse mundo fora, serão também recordados de que essa aliança de nada lhes serve quando as coisas aquecem.
Obama, tal como Carter, parece sobretudo especialista em escavacar as alianças da América, atacando os que estão do seu lado e apaziguando os inimigos.
Alguém se lembra do modo cauteloso como Obama reagiu às manifestações no Irão, há pouco tempo?
por O-Lidador

2 comentários:

A. João Soares disse...

Caro Luís,

Um bom texto, já ultrapassado pelos factos. Mubarak já caiu. Agora não podemos esperar milagres.
E sobre este tema tem interesse a leitura do texto de João César das Neves
Revoltas«.
A sabedoria da velhinha de Siracusa continua válida. Os novos ocupantes da cadeira do Poder procuram sempre ser «superiores» aos antecessores nas habilidades, vícios e manhas procurando obter os seus objectivos de enriquecimento rápido e ilimitado. Cada político é um ditador mais ou menos encapotado.

Abraço
João
Do Miradouro

Luis disse...

Caríssimo Amigo João,
Conforme já te tinha dito no almoço das "terças na Quinta" receio que se venha a verificar aproveitamentos "profanos" por entidades pouco democráticas nestas manifestações agora efectuadas no Egipto e noutros países da orla Mediterranica.Daí o post ainda que um pouco tardio e "requentado". Mas tens razão ao afirmares que há sempre o perigo de quem aparecer fazer esquecer quem substituiu por ser ainda pior...
Esperemos que as suas Forças Armadas não caiam na esparrela que as nossas cairam no 26A...
Um forte e amigo abraço.