04/04/2014

O ROUBO DO PRESENTE




Há pelo menos uma década e meia está a ser planeada e experimentada quer a nível do nosso país, quer na Europa e no mundo uma nova ditadura- não tem armas, não tem aparência de assalto, não tem bombas, mas tem terror e opressão e domesticação social e se deixarmos andar, é também um golpe de estado e terá um só partido e um só governo- ditadura psicológica. 
"Nunca uma situação se desenhou assim para o povo português: não ter futuro, não ter perspectivas de vida social, cultural, económica, e não ter passado porque nem as competências nem a experiência adquiridas contam já para construir uma vida. Se perdemos o tempo da formação e o da esperança foi porque fomos desapossados do nosso presente.
Temos apenas, em nós e diante de nós, um buraco negro. O «empobrecimento» significa não ter aonde construir um fio de vida, porque se nos tirou o solo do presente que sustenta a existência. O passado de nada serve e o futuro entupiu. 
O poder destrói o presente individual e coletivo de duas maneiras: sobrecarregando o sujeito de trabalho, de tarefas inadiáveis, preenchendo totalmente o tempo diário com obrigações laborais; ou retirando-lhe todo o trabalho, a capacidade de iniciativa, a possibilidade de investir, empreender, criar. Esmagando-o com horários de trabalho sobre-humanos ou reduzindo a zero o seu trabalho. 
O Governo utiliza as duas maneiras com a sua política de austeridade obsessiva: por exemplo, mata os professores com horas suplementares, imperativos burocráticos excessivos e incessantes: stress, depressões, patologias, border-line, enchem os gabinetes dos psiquiatras que os acolhem. É o massacre dos professores. Em exemplo contrário, com os aumentos de impostos, do desemprego, das falências, a política do Governo rouba o presente de trabalho (e de vida) aos portugueses (sobretudo jovens). 
O presente não é uma dimensão abstracta do tempo, mas o que permite a consistência do movimento no fluir da vida. O que permite o encontro e a intensificação das forças vivas do passado e do futuro - para que possam irradiar no presente em múltiplas direcções.
Tiraram-nos os meios desse encontro, desapossaram-nos do que torna possível a afirmação da nossa presença no presente do espaço público.
Actualmente, as pessoas escondem-se, exilam-se, desaparecem enquanto seres sociais.
O empobrecimento sistemático da sociedade está a produzir uma estranha atomização da população: não é já o «cada um por si», porque nada existe no horizonte do «por si». A sociabilidade esboroa-se aceleradamente, as famílias dispersam-se, fecham-se em si, e para o português o «outro» deixou de povoar os seus sonhos - porque a textura de que são feitos os sonhos está a esfarrapar-se.
Não há tempo (real e mental) para o convívio. A solidariedade efectiva não chega para retecer o laço social perdido. O Governo não só está a desmantelar o Estado social, como está a destruir a sociedade civil.
Um fenómeno, propriamente terrível, está a formar-se: enquanto o buraco negro do presente engole vidas e se quebram os laços que nos ligam às coisas e aos seres, estes continuam lá, os prédios, os carros, as instituições, a sociedade. Apenas as correntes de vida que a eles nos uniam se romperam.
Não pertenço já a esse mundo que permanece, mas sem uma parte de mim. O português foi expulso do seu próprio espaço continuando, paradoxalmente, a ocupá-lo. Como um zombie: deixei de ter substância, vida, estou no limite das minhas forças - em vias de me transformar num ser espectral.
Sou dois: o que cumpre as ordens automaticamente e o que busca ainda uma réstia de vida para os seus, para os filhos, para si. Sem presente, os portugueses estão a tornar-se os fantasmas de si mesmos, à procura de reaver a pura vida biológica ameaçada, de que se ausentou toda a dimensão espiritual.
É a maior humilhação, a fantomatização em massa do povo português. Este Governo transforma-nos em espantalhos, humilha-nos, paralisa-nos, desapropria­-nos do nosso Poder de Acção. É este que devemos, antes de tudo, recuperar, se queremos conquistar a nossa potência própria e o nosso país."
José Gil

2 comentários:

Zélia Chamusca disse...

Temos a arma na mão para derrubar os governos que nos levaram a este estado - Eleições.

Os governos que têm estado no Poder é que destruíram o nosso país e a CEE quase todos os Países membros.

Temos a arma nas mãos e não usamos porquê?

Eu voto contra. Nunca na minha vida votarei nos três partidos que estiveram no des(governo) mas, infelizmente, há muita gentinha, os exploradores, corruptos e ladrões que irão votar nos mesmos. Depois queixam-se. Quem tem culpa? Não é quem elege este bando?

Há mais partidos e já mais dois surgiram. É neles que devemos investir dando-lhes o beneficio da dúvida. Quanto às próximas, as Europeias, é votar contra. Sabem o que é? Se não, vão votar nos mesmos...

E queixem-se...

A. João Soares disse...

Cito de memória uma frase muito significativa: Há dois dias em que nada podemos fazer - ontem e amanhã - pois apenas hoje, agora, temos capacidade de fazer algo.
O ontem já passou e, dele apenas podemos aproveitar o resultado da acção e a experiência colhida. O amanhã é incerto e, quanto a ele, convém agora ter cuidado em não cortar as possibilidades de o «agora» que há-devir ser melhor do que o actual. Não é bom adiar, nem sacrificar o hoje com hipóteses de fantasia que poderão não ter viabilidade.