02/04/2014

O 25 de Abril, quarenta anos e um fado sem fim




Já nos apercebemos que nas próximas semanas o País está condenado a massivas doses de propaganda "educativa" a propósito dos quarenta anos do golpe militar do 25 de Abril. Por exemplo, esta manhã ao pequeno-almoço, o programaSons de Abrilcom a insuspeita Helena Matos na Antena 1 deixou-me algo inquieto: nele se elogiavam as virtualidades da rádio como meio de comunicação em contextos de clandestinidade - pudemos escutar a transmissão de Argel de um apelo de Manuel Alegre à insurreição em 1968, ou conhecer a Rádio Portugal Livre do Partido Comunista Português que, imagine-se, era difundido a partir de Bucareste, esse paraíso de liberdade, desenvolvimento e abundância de Ceausescu. 
Como incondicional amante de liberdade e compenetrado democrata, dou todos os dias graças a Deus por viver numa democracia liberal e representativa, que não tenho como dado adquirido, facto que não impede que a efeméride me provoque sentimentos contraditórios de adesão ou sobressalto e até, mediante determinados estímulos (como algumas canções de intervenção) repulsa. Como poderia nessa época a minha família, que transportava na genética mais de duzentos anos de atribulações revolucionárias trágicas para o País persistentemente miserável, olhar sem reservas aos tempos instáveis que se seguiram à queda do Estado Novo? Nesses tempos, em que se tornou proibido ter uma vida anterior à revolução que não fosse clandestina ou de explorado, testemunhei demasiados arbitrariedades e agressões por parte daqueles que, em nome da sua quimera tudo fizeram para cingir a liberdade a uma matriz ideológica. São os mesmos que hoje, de fato e gravata, se apropriaram da simbologia (e não só) da efeméride, incutindo-lhe um estranho cunho religioso a que pretendem ajoelhar toda uma população acrítica. 
É evidente que urge que a historiografia da Revolução dos Cravos desça da academia para as bocas do mundo, com serenidade, sem complexos nem enganos que a ninguém servem. Urge também questionar o empenho devotado pelas oligarquias partidárias na sacralização duma narrativa do 25 de Abril a preto e branco. Talvez quando o acontecimento fizer meio século e se tornar absurdo continuar atribuir a Salazar a responsabilidade por todas as nossas incapacidades e falhanços - até agora tem dado muito jeito.
Por João Távora, em 31.03.14

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