13/10/2008

O fim último da vida não é excelência!

Texto de João Pereira Coutinho, jornalista, recebido por e-mail do meu amigo Luís SC.

"Não tenho filhos e tremo só de pensar. Os exemplos que vejo em volta não aconselham temeridades. Hordas de amigos constituem as respectivas proles e, apesar da benesse, não levam vidas descansadas. Pelo contrário: estão invariavelmente mergulhados numa angústia e numa ansiedade de contornos particularmente patológicos. Percebo porquê. Há cem ou duzentos anos, a vida dependia do berço, da posição social e da fortuna familiar. Hoje, não. A criança nasce, não numa família mas numa pista de atletismo, com as barreiras da praxe: jardim-escola aos três, natação aos quatro, lições de piano aos cinco, escola aos seis, e um exército de professores, explicadores, educadores e psicólogos, como se a criança fosse um potro de competição.

Eis a ideologia criminosa que se instalou definitivamente nas sociedades modernas: a vida não é para ser vivida - mas construída com sucessos pessoais e profissionais, uns atrás dos outros, em progressão geométrica para o infinito. É preciso o emprego de sonho, a casa de sonho, o maridinho de sonho, os amigos de sonho, as férias de sonho, os restaurantes de sonho.

Não admira que, até 2020, um terço da população mundial esteja a mamar forte no Prozac. É a velha história da cenoura e do burro: quanto mais temos, mais queremos. Quanto mais queremos, mais desesperamos. A meritocracia gera uma insatisfação insaciável que acabará por arrasar o mais leve traço de humanidade. O que não deixa de ser uma lástima.

Se as pessoas voltassem a ler os clássicos, sobretudo Montaigne, saberiam que o fim último da vida não é a excelência, mas sim a felicidade!"

NOTA: Ao povo da minha aldeia ouvi muitas vezes dizer «pobrete mas alegrete» e um dia em que vi TV deparei com um sem abrigo que passava o tempo deitado no passeio na Rua Augusta em Lisboa e a dizer que era feliz, que vivia sem abrigo por opção. Amigos entrevistados disseram que um dia teve um considerável prémio no totoloto e que não descansou enquanto o não gastou com os amigos no café dele preferido. A «felicidade» não vem com o consumismo, a competição, ou a constante preocupação de riqueza. Fazer aquilo de que se gosta, sentir-se bem, isso é essencial.

13 comentários:

Vivian disse...

...minha linda Mariazita, este texto vem de encontro ao meu
pensamento que diz ser a felicidade
um estado de espirito.

não posso condicioná-la nada exterior, portanto.

e quanto a esta vida louca
e competitiva que queremos
embutir tbm nas crianças,
é claro que lá na frente
colheremos os frutos de
'árvores' envevenadas pelo
adubo da ilusão...

profundo post..
parabéns..

bjus, linda!

A. João Soares disse...

Cara Vivian,
Escolhi este texto por concordar com a mensagem que ele nos transmite. Gostei e adicionei a nota final.
Obrigado pelas suas amáveis palavras embora pensasse que estava a dirigir-se à nossa amiga Mariazita!!!
Ela, como pessoa muito rigorosa com os seus programas aqui estará amanhã com mais um dos seus belos posts.
Beijos
João

Mariazita disse...

Meu caro João
Sabe como sensível ao tema "infância"
As crianças deixaram - e não é só de agora - de poder ser crianças.
Não lhes deixamos tempo para isso.
Este texto retrata impecavelmente aquilo em que transformamos as nossas crianças.
É certo que vivemos num mundo de competição constante, a todos os níveis.
Mas, por favor, deixemos as crianças ser crianças na altura própria!
Têm uma vida inteira de luta pela frente.
E, como o João diz na sua nota final, e muito bem, a felicidade não se adquire com o tipo de competição referido no texto.

Mariazita disse...

PS - Precipitei-me no clic...e o comentário foi logo publicado.
Também já estava bastante longo...
Portanto, beijinhos
Mariazita

Daniel disse...

João Soares

O texto é muito ilucidativo, o obrigar os jovens a preparar-se para competir será errado.
Deviamos era ensinar a preparar-se para as suas opções.
Por exemplo, até podem querer competir, com eles próprios, superando-se por etapas!...
Daniel

A. João Soares disse...

Querida Amiga Mariazita,
Sinais dos tempos! Hoje tudo é competição, pelo dinheiro e por outros sinais de riqueza. Competição no pior sentido, e desprezando os verdadeiros valores. As pessoas não se preocupam com o SER mas apenas com o TER.
Uma mãe lamentava-se na TV devido às despesas da abertura do ano lectivo, porque não queria que a filha fizesse figura de pobre junto dos colegas na escola. Passava mal para a filha não perder essa vil corrida!
E as causas da actual crise financeira estão ligadas à ambição de mais dinheiro, mais lucros, custe o que custar, faltas de seriedade, de honestidade que foram acumulando erros até que a «bolha» rebentou.
Depois, como a competição é bem aceite, ninguém se preocupa em punir os culpados do mal estar que foi causado em todo o mundo.
Mas o texto do post refere-se às crianças. De pequenino se torce o pepino. E as crianças são arrastadas de tenra idade para as piores manigâncias da sociedade moribunda.
Recomendo a leitura do último post do blog Do Miradouro e dos comentários.
Beijos
João

A. João Soares disse...

Daniel,
É como diz, devia-se ensinar os jovens a analisar a vida e a tomar decisões, fazer escolhas, opções, e depois colocá-las em prática. Seria maravilhosos se víssemos os jovens a lutar pelos seus próprios objectivos, a fazer melhor para seu prazer sem olhar para o lado para os concorrentes.
Esperemos que a crise abra um pouco os olhos de líderes que têm andado adormecidos a deixar-se arrastar pela corrente, ao sabor do «politicamente correcto».
Abraço
João

Ana Maria disse...

Também sou assim; faço o que gosto,
sinto alegria. Tento viver só o positivismo.
Beijinhos!

o que me vier à real gana disse...

" O fim último da vida não é a excelência,mas sim a felicidade!". Esta, é o caminho, não a meta.
Vivemo aniquiladoras ditaduras: a da excelência multidisciplinar(paradoxo); a da moda em todas as esferas sociais; a da beleza e até a da juventude (sem k estes, tb ainda me considero, tenham disso culpa), relegando para as calendas o imprescindível saber adquirido pelos antes de nós, sub-avaliando a sua imprescindível experiência!

Subjectiva, a noção de felicidade? Sim! Todavia, existirão pressupostos sem os quais não...

Acredito no sem-abrigo. Acredito e, por tal, não tenho pena dele!

Novo post no "real gana", se puder comentar!

A. João Soares disse...

Cara Ana Maria,
Parabéns. É muito bom podermos fazer aquilo de que gostamos, sem restrições que nos limitem a nossa iniciativa e vontade de trabalhar.
Beijos
João

Zé do Cão disse...

Nasci filho de uma família tradicional. Vejam só, meus avós em conjunto tinham qualquer coisa como 35 filhos. É valentes, eles, coitadas delas. Avós rurais, um tinha quintas e o outro cabras. os Avôs, não chegaram a conhecer-me, partiram antes de eu ver a luz do sol. Elas, analfabetas, deram aos filhos a instrução possível, na altura.
A família levou uma redução brutal
já que ninguém dos tios e tias passaram de 3/4 filhos e os meus pais só chegaram aos dois.
Eu e mais um irmão um pouco mais idoso, com a bonita idade de 82, são como um pêro e veja-se, ainda trabalha e desconta para a SS. Ambos estudamos, um comercial e outro industrial. Tudo perfeitamente normal, até que os meus dois filhos foram para a escola, levando a educação de casa duma família tradicional. mantiveram-se tiram ambos cursos superiores, mas sentiram na pele a concorrência, o oportunismo, o favor a cunha e por aí fora.
Sem vícios de qualquer espécie, nunca perderam um ano e não fosse
o País onde nasceram, augurava para eles bom auspícios.


Há melhor felicidade?

A. João Soares disse...

Caro Zé do Cão,
Parabéns pela sua história familiar. O crescimento na sociedade, a pulso, pelo mérito pessoal, sem cunhas do primo ministro ou do amigo Director.Geral, é motivo de sério orgulho e vaidade. É de pessoas trabalhadoras que Portugal precisa. Pessoas que competem consigo próprias para atingirem, por métodos honestos, os objectivos que desejam, sem lesarem os parceiros nem criarem situações de benefício especial.
Um abraço com a maior consideração
João

Oliver Pickwick disse...

A humanidade é diversa. Ainda bem! Não fosse desse jeito, a Terra seria o lugar mais insuportável do universo.
Um beijo!