Mostrar mensagens com a etiqueta António. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta António. Mostrar todas as mensagens

07/01/2011

Pela iniciativa individual e contra a restrição e repressão estatal


Há muito que não tenho aqui trazido uma das interessantes conversas com o meu amigo António, velho companheiro desde os tempos da mais tenra infância. Se as conversas anteriores versavam recordações de tempos idos e amigos comuns da escola primária, agora, como a vida nacional lhe está a repugnar com a lavagem de roupa suja a propósito da eleição de um de cinco candidatos para um cargo que dizem não ter qualquer poder e para o qual serviria qualquer português com uma minidose de sensatez, decidiu falar do caso do neto mais velho, mas com apenas 12 anos e poucos meses.

O miúdo, filho de pai português e de mãe americana de ascendência italiana, já aprendeu a pilotar aviões. Fiquei espantado e quis que ele repetisse e explicasse. O miúdo, além de bom estudante, era bom na natação, tendo conquistado vários prémios nas competições em que o seu clube entrava. Em mini-férias de inverno ia com o pai fazer ski para uma serra relativamente próxima e deslocava-se com tal agilidade que o pai sentia-se pouco à vontade para o acompanhar, pelo menos com a vista. Entusiasmado com a aviação teve aulas com um instrutor com qualidades didácticas para ensinar crianças e cedo o miúdo começou a fazer as piruetas permitidas pela fragilidade de um pequeno meio aéreo. 

Mostrou-me fotografias a confirmar algo do que dizia, mas a minha incredulidade assentava na dificuldade de cá se obter a carta de condução de um simples carro que se desloca em solo rígido e não no fluido gasoso que se chama espaço aéreo. Então ele explicou que não podemos analisar os países evoluídos em comparação com o nosso rectângulo, onde o Poder tudo regula, por vezes mal o que o leva a fazer excepções e confusões criando um emaranhado «legislativo» em que ninguém conhece as linhas com que se deve coser e que originam a necessidade de cunhas e a respectiva corrupção. Cá nada se deixa, como lá, à liberdade individual suportada pela cultura do respeito pelos direitos e liberdades dos outros e respectiva responsabilização.

A propósito da excessiva regulamentação citou o caso da ASAE que funciona com a repressão da pormenorizada especificação das actividades económicas, em vez de as estruturar, simplificando a burocracia, reduzindo os circuitos de distribuição por forma a diminuir a diferença entre o preço pago ao produtor e aquele que é exigido ao consumidor final. A propósito da liberdade de comercializar os produtos, citou que o sogro de outro filho, também na América, é abastado agro-pecuário e, num dia fixo da semana, envia um camião carregado para vender directamente ao consumidor, no «farmer’s market» da cidade, um espaço maior do que um campo de futebol onde os camiões dos agricultores estacionam e, com uma balança e uma caixa registadora, vendem por um preço que, estando livre de intermediários, é bom para eles e para os clientes. Um país em que há liberdade e ausência de repressão e de caça à multa por parte do Poder.

Quando ouvi o amigo António referis a ASAE, a prioridade dada à repressão e ao cerceamento da iniciativa privada, em vez da reestruturação das actividades económicas, simplificando e tornando-as mais criativas e rentáveis, recordei-me da leitura do livro do amigo Manuel Pedroso Marques «Tempos Difíceis Decisões Urgentes».

Não é por acaso que uns países se desenvolvem e outros decaem, esquecendo períodos de grande sucesso que tiveram de ser relegados para a poeira da história.

15/08/2010

O António virou irónico

O meu Amigo António, tal como a maioria das pessoas da sua idade – deve andar perto dos oitenta mas não diz quantos tem nem em que dia os completa – não sente a mínima atracção pela informática. Diz que um dia tentou e fez um clic errado, estragando tudo o que tinha estado a tentar escrever. Depois desse azar, não quis continuar a lutar contra uma máquina tão estranha e caprichosa!

Mas consegui convencê-lo a visitar, devidamente apoiado pelo neto, um dos meus blogs o que pensei lhe podia despertar alguma simpatia. E depois telefonou-me – embora também não morra de amores por essa máquina que permite ouvir vozes que vêm sem se saber de onde, como acontece aos mentecaptos – e contou-me que a visita o fez lembrar de uma história contada pelo Eça ( A Luisinha Carneiro torceu um pé) de que já não se recordava bem mas que traduziu em português moderno.

Numa reunião do Jet Set, gente pedante sem cultura profunda mas convencida e deslumbrada com pequenas coscuvilhices, falava-se das telenovelas, do Ronaldo, da festa dada por alguém que fez 4 anos de qualquer coisa, do vestido da Isa, dos amores estranhos de um político, quando chegou o Ambrósio, um tipo sereno, controlado e pouco atreito a conversas sem ensinamentos, sem análise, que olha para as realidades com a calma de quem procura conhecer as causas e as consequências.

Como as suas opiniões são escutadas com interesse pela vacuidade das senhoras, todas se dizendo quarentonas mas com rugas no pescoço que, apesar de disfarçadas por técnicas modernas, indicam mais de 60, todas as circunstantes exclamaram o seu prazer pela chegada do tipo e lhe perguntaram novidades.

Imaginem, disse ele, na China a chuva torrencial causou inundações terríveis e desabamentos de terra que causaram mais de um milhar de mortos, desaparecidos e desalojados. Não obteve qualquer reacção. As pessoas ficaram impávidas e serenas, porque isso não as impressionava minimamente.

Contou depois que na Rússia há uma vaga de fogos que poderá atingir uma zona onde caíram cinzas de material radioactivo devidas à explosão da central nuclear de Chernobil e que, se isso acontecer, os ventos poderão espalhar nuvens altamente tóxicas que irão vitimar milhares de pessoas em vasta área. A Necas perguntou se por isso teria de deixar de comer pudim Molotov. Mas as restantes ficaram impávidas e serenas, porque isso não as impressionava minimamente.

Depois falou dos incêndios na serra da Gralheira que destruiu tudo numa área equivalente a muitas centenas de campos de futebol, ocupando muitas centenas de bombeiros idos de vários pontos do País e deixando a população local muito desgostosa e abalada, havendo muitos idosos que diziam em tom sufocado e desiludido que agora só lhes falta morrer. As pessoas ficaram, embora um pouco curiosas onde fica essa tal serra de Gralheira, e a Mitó perguntou se uns amigos que vivem em Tondela poderiam sofrer com o fumo, mas pouco se mostraram impressionadas.

Deu então a notícia de que a Licas, ao descer do Mercedes, colocou o pé numa falha do lancil do passeio e sofreu um entorse no tornozelo esquerdo, estando imobilizada em casa, depois de lhe terem engessado o pé e a perna. Foi o pânico naquele salão. Gritinhos de aflição. Coitada da Licas, com toda a sua vivacidade e dinamismo ter de ficar em casa! E começaram a sair para irem visitar a amiga do peito. Algumas passaram por casa para levarem à Licas a revista Maria, a Gente e outras leituras eruditas do género, e uma, mais instruída, disse que lhe ia levar «As Pupilas do Senhor Reitor» uma leitura muito intelectual de que a Licas certamente iria gostar se, no intervalo das suas dores, tivesse paciência para a leitura.

Estou confuso, sem saber bem onde o António queria chegar, mas estou à espera da próxima notícia do dia em que faz anos que caiu o primeiro dente do leite ao filho mais velho da Tânia Vanessa, neto da Sandra.

12/08/2010

Embraiagem partida

Vou relatar uma conversa com o amigo António (já há muito que não trazia aqui notícias das nossas conversas) porque pode ser útil a alguém que se sinta em tal situação.

No restaurante onde tinha almoçado, um dos clientes contava ao seu companheiro de mesa que a filha tinha ficado com o carro parado no IC 16 porque o cabo da embraiagem se partira e não conseguia fazer as mudanças. E quando quis ir colocar o triângulo foi-lhe difícil abrir a porta porque os carros passavam tão velozes e próximos que teve medo de ficar sem porta e ser atropelada.

Quando encontrei o Amigo António, de quem já aqui falei, disse-lhe o que ouvi e ele relatou a situação em que se viu metido no mato em Angola, em situação de guerra, com uma avaria semelhante. Vou tentar reproduzir o que me disse.

A sua companhia, em meados de 1963, estava instalada em condições precárias junto a uma picada paralela à fronteira Norte, de que distava cerca de 40 quilómetros. A área da unidade poderia ser utilizada para passagem do exterior para as matas mais a sul de grup+os rebeldes com armamentos, munições e outros materiais. Havia grupos de militares a patrulhar a área ou no reabastecimento de água ou na obtenção de lenha ou reabastecimento e fins administrativos à sede do Batalhão a 30 quilómetros dali.

Um dia ia integrado da equipa de menos de dez homens que ia à lenha, deslocando-se num Mercedes Unimog. A distância era de pouco mais de meia dúzia de quilómetros ao longo da picada onde havia troncos secos ainda de pé originados por queimadas de vários anos antes. O veículo estacionou fora da picada num terreno plano e limpo, uns homens ficaram vigilantes zelando pela segurança, embora o perigo não fosse grande nem muito provável, enquanto os outros cortavam a lenha e carregavam a caixa de carga.

Carregado o veículo com cerca de duas toneladas de lenha, quando todos se preparavam para partir, o condutor disse que a embraiagem não funcionava, estava em baixo sem permitir desembraiar para poder fazer as mudanças. E confessou que assim não conseguia nada, nem sabia o que fazer.

Problema grave. Não havia qualquer maneira de comunicar com o aquartelamento a não ser, por estafeta. Mas dividir aquele pequeno grupo em dois, seria loucura, porque qualquer deles ficaria de tal maneira frágil que seria dizimado por qualquer grupo rebelde, mesmo que pouco numeroso.

O António contou isto emocionado e disse que procurou recordar-se do que aprendeu na cadeira de motores, sobre o funcionamento da embraiagem que serve para permitir que as duas rodas dentadas da caixa de velocidades que têm que engrenar obtenham uma velocidade idêntica.

Arriscou tentar suprir a incapacidade do condutor para levar o carro ao destino, mandou subir o pessoal para cima da lenha que primeiro mandou arrumar por forma a que o esticão do arranque, que podia ser forte, não ferisse ninguém. Sentou-se ao volante, perante o condutor e os outros que olhavam incrédulos, boquiabertos e receosos, engatou em primeira e, depois, tentou pôr o motor a funcionar. Foi uma surpresa agradável, feliz quando o carro começou a avançar, com alguns soluços de início, mas depressa adquiriu velocidade, em primeira.

Mas ir em primeira toda a distância seria a destruição do motor e, tomou outra iniciativa, baseado na técnica antiga usada na «mudança com dupla» em que se procurava, com a aceleração do motor, tornar mais próximas as velocidades dos carretos a engrenar na caixa. E com mais ou menos aceleração e um puxão seco da manete de velocidades conseguiu, passar todas as velocidades, para cima e para baixo, sem arranhar, até ao aquartelamento.

O António conta com emoção que foi um caso muito feliz, mas que não esperava que conseguisse fazer aquilo com tanto sucesso. Nunca o tinha feito nem ouvira alguém dizer que o tivesse tentado fazer.

E assim, com estes desabafos de gente com experiência, vamos aprendendo truques de sobrevivência que nos poderão ser úteis em situações difíceis.

Imagem da Net.

25/08/2009

A boa estrela e a tempestade

O septuagenário António conta pausadamente, saboreando as palavras, a recordação de uma tarde da sua infância, em Maio de 1947. Era ainda criança e frequentava o Liceu Alves Martins em Viseu, tendo de percorrer diariamente, duas vezes, a pé, a distância entre o liceu e a sua casa numa aldeia próxima, a cerca de seis quilómetros. O percurso era fácil e seguro por o trânsito ser reduzido e, se avaliado pelos valores de hoje, quase nulo. Havia dias em que corria, desde o alto do Viso até à «curva da morte» à entrada da Póvoa de Sobrinhos, à velocidade de um berlinde evitando que ele saísse do alcatrão para qualquer dos lados.

Mas naquela sexta-feira, o céu apresentava-se estranho e, embora não chovesse, ameaçava com mau tempo de dimensões invulgares. Habituado a suportar todas as condições meteorológicas, sabia que era sensato acelerar o passo para aumentar a probabilidade de evitar ao máximo uma molha valente.

Apesar de ir depressa, as suas pequenas pernas não evitaram que, por altura do portão da mata do Fontelo, ao início da recta do Viso, fosse ultrapassado por dois soldados do Regimento de Infantaria 14 que, pela conversa que iam desenvolvendo, iam passar o fim-de-semana a Trancoso, tomando o comboio da Beira Alta na estação de Cubos, para lá de Mangualde. Levavam um passo muito rápido, mas o miúdo seduzido pelo exemplo dos militares e, como queria chegar a casa cedo, fez todos os esforços para não se deixar atrasar, tendo de ,ocasionalmente, dar uma corrida para reduzir a distância aos líderes da maratona.

E a viagem diária ia correndo sem problemas com um recorde de velocidade notável, acabando por demorar bastante menos de uma hora quando era costume ir além da uma e um quarto. Mas era também ajudado pela esperança de quando a chuva viesse já estar perto de casa e não se molhar muito. Depois de passar a Póvoa de Sobrinhos, no primeiro cruzamento virou à esquerda, deixando a companhia dos soldados que continuaram a percorrer os cerca de 10 quilómetros que ainda lhes faltavam.

Mesmo sozinho, como as nuvens estavam cada vez mais negras e descontínuas, sentia-se decidido a não abrandar o passo. Mais cerca de 15 minutos e entrou em casa, cansado nas seco e aliviado por o susto não se ter concretizado. Mas este alívio não foi total porque, mal fechou a porta de casa começou uma tempestade de forma invulgar, caindo pedradas violentas no telhado, com granizo que chegava a ter o tamanho de ovos de galinha. E os pais não estavam em casa. Como iriam resistir a tal intempérie? Ele fora salvo por a sua boa estrela lhe ter enviado aquelas lebres que o incitaram a acelerar ao máximo. E eles?

Mas agora não podia contactar os pais, saber como estavam. Ainda não havia telemóvel que viria cerca de 40 anos depois. Aliás na aldeia nem sequer havia electricidade, nem telefone, da televisão só se viria a falar cerca de 10 anos depois em Lisboa e mesmo rádio só havia um na taberna-mercearia do Manuel Custódio, a funcionar com uma bateria de automóvel. Sem qualquer meio de comunicar com os pais, o António tinha que procurar limitar-se a desejar o melhor e a esperar pela sorte.

Mas a tempestade, como sempre, teve um fim rápido, após a bátega de granizo gigante ter destruído toda a agricultura destroçando rama de pinheiros, árvores de fruto e tudo o que não fosse tão duro como o aço. E, passados poucos minutos, apareceram os pais que se tinham abrigado passado durante a parte mais perigosa da queda de granizo na casa de apoio da principal propriedade. Não precisaram de falar muito para se perceber o grande susto que sofreram pelo receio do que o filho estaria a passar sob a tempestade, pois aquela hora era suposto ele ainda vir a caminho. Mas foi bem visível a alegria de verem que ele estava inteiro e nas melhores condições físicas.

A vida é feita de pequenas oportunidades, inesperadas coincidências, que ou se aproveitam ou se perdem e, desta vez, a boa estrela empurrou o miúdo para a solução correcta.

A tempestade foi realmente forte e, além dos estragos na vegetação e nos telhados, houve pessoas com «galos» na cabeça por serem atingidos pelo granizo. O acidente mais grave foi o do Manuel Custódio que ficou com a cabeça a sangrar devido a uma forte pedrada.

Tal tempestade ficou gravada para toda a vida na memória dos que a viveram e o velho António relembra esta tarde com um misto da emoção dessa época e da lição de realismo que a experiência da vida lhe ensinou.

25 de Agosto de 2009
A. João Soares