17/03/2012

Solidariedade nas sociedades ditas «evoluídas»

Costumo responder a todos os comentários que surgem nos meus blogues, desde que sejam expressos de forma educada, e, em resposta ao da já conhecida comentadora Rosélia, no post Desta forma a humanidade melhorará depois de alguma argumentação «prometi fazer um post sobre a conversa entre Mister Smith e Mister Brown em que se vê a diferença entre o comportamento das pessoas nas grandes cidades e na pequenas aldeias do interior. Trata-se de um texto que li algures em data e local já esquecidos, mas cuja ideia tenho fresca na memória e, já que tenho de recriar, mudo os nomes e o local da conversa, eis o caso :

Em plena primavera o velho senhor Sousa, numa sexta-feira, ao sair da galeria do Chiado Terrasse, em Lisboa, deparou com o seu velho amigo Freitas e, depois dos cumprimentos habituais, aprendidos e praticados durante muitas dezenas de anos, surgiu o seguinte diálogo:

- Amigo Freitas, ainda bem que o encontro porque não queria deixar de me despedir de si porque na próxima segunda-feira, partirei de comboio com destino à minha terra Natal, Poiares perto de Freixo de Espada à Cinta.

- Mas o Amigo Sousa vai lá passar uma semana ou um mês? Certamente, nesse interior muito atrasado irá sentir muita saudade da vida cultural de Lisboa a que está, muito habituado.

- Caro Freitas, não se trata de uma semana nem de um mês ,mas do resto da minha vida. Vou passar lá os meus últimos das.

- Nem quero acreditar, que o amigo Sousa tenha decidido prescindir dos prazeres culturais e artísticos de que tanto gosta: as conferências na Sociedade de Geografia, na Sociedade Histórica da Independência de Portugal, as visitas às exposições de pintura e escultura, ao bom teatro, à Ópera do S. Carlos, as horas passadas em museus e bibliotecas, ou nas boas livrarias, além dos convívios e cavaqueiras com velhos amigos de gostos semelhantes aos seus. Por outro lado, na nossa idade, precisamos de ter perto um bom apoio de saúde, que lá, de certeza, não irá ter.

- O Freitas tem muita razão em estranhar esta decisão, mas foi tomada depois de longa reflexão que, como o amigo sabe, sempre costumo fazer antes de tomar decisões importantes. Realmente, lá não tenho nenhum dos benefícios que o desenvolvimento aqui me proporciona. Mas repare que, se aqui me der um colapso e cair no passeio, as pessoas, com os hábitos actuais, passam ao lado e, quando muito, dizem «o raio do velho apanhou uma bebedeira e está aqui a corti-la». Havendo condições de apoio de saúde não as accionam, não chamam o INEM, nem gritam pela Polícia para vir socorrer. E morro anonimamente como qualquer mendigo ou sem-abrigo. Mas na minha terra, quando isso me acontecer, não há hipóteses de chamar qualquer apoio porque a sua chegada, devido à distância, já não seria oportuna nem eficaz mas, antes de fechar definitivamente os olhos, ouço palavras como «O sr Sousa teve este problema, o Sr Sousa vai-nos deixar». Portanto inicio a nova viagem tendo a companhia de gente conhecida e amiga até à partida.

Imagem de arquivo

4 comentários:

Táxi Pluvioso disse...

Lisboa é uma parvónia, só com muito boa vontade se pode considerar umas agregações de pessoas (regra geral carregadas de inveja) como cultura a ouvir ou a levar a sério. boa semana

Celle disse...

O sr. Souza tem muita razão, na cidade grande ele é apenas mais um...desconhecido...
e no interior ele é o "sr. Souza". Tem nome, familia, morre talvez, sem assistência médica mas, entre gente conhecida,em companhia deles e entre seus lamentos!
celle

Luis disse...

Caríssimo Amigo João,
Já há muito tempo penso como o Sr. Sousa pois teria uma vida melhor se vivesse no Alentejo e viesse a Lisboa de quando em vez para convívios com os amigos e assistir a alguns espectáculos que merecessem essas deslocações. Por razões que bem conheces é que me têm atrasado a faze-lo.
Um abraço amigo e solidário.

A. João Soares disse...

Caros comentadores,

Hoje as diferenças entre os grandes centros urbanos e as pequenas aldeias, do ponto de vista social são muito reduzidas. Mantém-se, porém o ambiente físico com mais sossego e silêncio.
O Sousa procurou a fuga à sociedade egoísta, egocêntrica, de vida fantasiosa, de ostentação arrogante, com a escravatura às modas aos equipamentos das novas tecnologias à adoração do dinheiro e de todos os elementos do TER com desprezo pelos valores éticos humanos sociais.
As pessoas sacrificam as hipóteses de felicidade para mostrar riqueza, por vezes fictícia, o «faz-de-conta». O Sousa acaba por ter como objectivo a vida simples e natural de que tenho falado aos meus amigos quando lhes revelo aspectos da minha vida quotidiana (!!!).
É muito diferente viver os últimos minutos entre pessoas conhecidas e carinhosas do que isso acontecer no isolamento urbano entre desconhecidos indiferentes que passam distraidamente, ao lado sem trocarem calor humano.

Cumprimentos
João