11/06/2008

Frases idiomáticas e a língua portuguesa

Transcreve-se carta de António Brotas publicada no Expresso de 080607

A evolução da língua ou, a "ota" de Vasco da Graça Moura

A língua portuguesa evolui de um modo diferente nos vários países em que é falada.
E às vezes muito rapidamente.

É assim duvidoso que os brasileiros recém chegados a Portugal tenham podido compreender o título "Uma ota ortográfica", do artigo publicado em 28 de Maio no "Público", por Vasco da Graça Moura. É possível que, daqui a dez anos, os dicionários dêem à palavra "ota" o significado com que VGM desde já a usa. Se tal suceder, como co-autor do livro "O Erro da Ota", ficarei muito honrado por ter contribuído para o enriquecimento da língua portuguesa (em Portugal). É, no entanto, provável que a palavra só tenha uso na linguagem corrente com o significado de "elefante branco", tal como "Convento de Mafra", "estádios de futebol", ou mesmo "Porto de Sines" (neste último caso injustamente porque o Porto de Sines ainda pode ser um dos factores importantes do nosso desenvolvimento). Tudo expressões que os falantes dos outros países não compreendem.

Nem sei se os angolanos, por exemplo, dizem "elefante branco".
Possivelmente, um dia dirão: "pakassa negra", ou algo no género, escrevendo com K. Nada disto é importante, nem pode ser significativamente alterado, nem para melhor, nem para pior, pelo anunciado acordo ortográfico.

O que pode ser grave e prejudicar a língua são algumas medidas recentes tomadas por entidades que a deviam defender. Todos sabemos que as crianças têm uma grande capacidade para aprenderem línguas e as esquecerem logo a seguir. Algumas são capazes de aprender inglês com os bonecos animados. Nas nossas escolas o inglês, que tem uma gramática rudimentar, passou a ser ensinado antes dos alunos dominarem minimamente a gramática portuguesa bastante mais complexa. Como ninguém espera que eles vão para o recreio conversar em inglês com o inglês que lhes ensinam nas aulas, o resultado pode ser, unicamente, o de muitos deles nunca mais aprenderem os verbos portugueses.

O Ministério da Educação devia mandar fazer uma muito séria avaliação dos efeitos deste ensino.

Registe-se, que num curso de português para estrangeiros na Faculdade de Letras de Lisboa, foi suprimida nos verbos a segunda pessoa do plural. Se os diplomados por este curso forem à aldeia da Beira onde nasceu Eduardo Lourenço e ouvirem, por exemplo, a pergunta "ides a Lisboa?", julgarão que lá se fala um português incompreensivel e degradado.

António Brotas
co-autor do livro "O erro da Ota"

NOTA: A língua viva nem sempre é totalmente clara, tendo cada grupo, local ou profissional, termos próprios que podem ser tidos por idiomáticos e, com o decorrer do tempo, ser compreendidos pelos estranhos ao grupo. É o caso de Ota, elefante branco, etc. Os termos de comparação, de referência, numa data podem não ser entendidos em datas posteriores. Ao ler escritos antigos, muitas vezes me interrogo: o que quis significar com isto? Era apenas uma referência ao um acontecimento da época.
Mas merece mais reflexão a referência de A. Brotas ao ensino, em que deve ser dada mais atenção aos efeitos obtidos e compará-los com os que são desejados, a fim de serem introduzidas as correcções convenientes. A procura da excelência deve ser permanente.

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