Deixou os donos e o Tintim, que passaram a sentir a sua falta, cada um à sua maneira, mas com visível desconsolo. E a circunstância leva a reflectir que o sentido de posse e o amor são muitas vezes sentimentos mais egoístas do que de generosidade, nem sempre se pensando mais no ente amado do que no prazer de amar.
A caminho do 14º aniversário, partiu de forma inesperada, com um aviso muito curto. Há dois anos, um mês e um dia, depois de ser diagnosticada a diabetes em estado muitíssimo grave, que apenas lhe era ministrada a alimentação de dieta e injecções de insulina de 12 em 12 horas, com um rigor de minuto, e frequentes idas ao Hospital Veterinário para controlo da glicemia e de outros aspectos a fim de ajustar a dose de insulina. Era uma rotina cumprida com tal rigor que a vida doméstica lhe era sujeita sem qualquer reclamação ou desconforto. Tudo estava padronizado e esperava-se que continuasse por mais muitos meses, embora houvesse a convicção de que não seriam muitos mais.
Mas, a idade não perdoa e surgem complicações ligadas ao tempo de utilização da máquina corpórea, embora a aparência fosse boa, fruto do carinho e bons tratos que lhe eram dedicados. Mas, surgiram pequenos sintomas de que algo estava menos bem. Começou a notar-se que as fezes saíam com dificuldade e um pouco achatadas, a urina saía à custa de esforço cada vez maior e em quantidade reduzida ao longo de várias tentativas. Foi comunicado à veterinária que se inclinou para possível inflamação, mas nada melhorou com os antibióticos. O mal-estar tirou o apetite, que se tornou grave, pois não era saturação pela monotonia da dieta, já que foram experimentadas alterações sem resultado. No dia 8 antes da consulta não urinou e depois, apesar do soro e do antibiótico continuou sem urinar e o abdómen ficou intumescido devido ao enchimento da bexiga.
No dia 9 à hora de abertura, já estava na fila para nova consulta. Foi alvitrado à veterinária a hipótese de haver qualquer tumor que pressionasse a parte final do intestino, produzindo o achatamento das fezes, e que apertasse a uretra impedindo a passagem da urina. Embora os técnicos não gostem de alvitres dos leigos, o relacionamento durante estes mais de dois anos permitia um diálogo aberto e franco e foi feita radiografia e ecografia que mostravam uma massa já volumosa, possivelmente um tumor no útero. A palpação com o dedo mostrou que o intestino estava empurrado, por essa massa, contra a coluna, ocasionando a dificuldade de passagem das feses.
A tentativa de utilizar uma algália para esvaziar a bexiga não foi possível, apesar de terem sido utilizadas três modelos, incluindo um metálico, porque havia um ponto em que a resistência era tal que não podia ser vencida a não ser com o risco grave de rotura.
Para ver se o volume do abdómen era a bexiga foi feita uma punção num flanco e confirmou-se que era realmente ela, empurrada para a frente pela massa estranha existente mais à retaguarda. Foram retiradas cerca de 20 seringas de urina para aliviar, mas isso, não chegava a ser metade da existente e não era uma solução viável para a sobrevivência. A idade, o facto da diabetes, a debilidade por deficiente alimentação dos últimos dias (por esse motivo tinha estado na consulta na véspera), a veterinária, com muita delicadeza aconselhou que a solução mais adequada seria a eutanásia, porque seria maldade manter o bicho a sofrer sem a mínima esperança de melhorar nem de viver mais do que um ou dois dias, porque o sangue, por falta e de expulsão da urina, ficaria intoxicado. A dona, nem podia ouvir tal ideia e nem conseguiu assistir aos cuidados que estavam a ser feitos. Por fim, dado o fracasso da algália, os resultados dos exames radiográfico e ecográfico, e a história clínica, a veterinária chamou à sala a dona e conseguiu, embora com dificuldade, convencê-la. Para a «Linda» foi o fim de um sofrimento sem a mínima esperança e uma antecipação, certamente de umas horas ou um dia. Mas para a dona foi uma dor profunda, que não lhe foi fácil controlar.
E é a este momento decisivo que se refere a reflexão inicial sobre o «egoísmo» do amor. Mesmo que doente e a sofrer, sem esperança, não queria perder aquela companheira de muitos anos, que não deixava ninguém chegar à dona. Esta começava dizer que a «Linda» é que era a sua dona, teimosa, convicta, persistente, que se enraivecia (só pelo som) com o Tintin para ele não ocupar junto da dona o lugar que ela queria só para si. Por esta dedicação, a limpeza, a disciplina, a paciência nos tratamentos, deixa saudades, um lugar vazio e um registo indelével na memória. E este pequeno texto é uma ténue imagem de um acontecimento que evidencia que os animais de estimação, são para os donos quase como seres humanos da família. Merecem amizade e deixam dor e saudade.
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