18/12/2012

COMO SE MORRE DE VELHICE



                                                                                            Cecília Meireles,
Como se morre de velhice
ou de acidente ou de doença,
morro, Senhor, de indiferença.

Da indiferença deste mundo
onde o que se sente e se pensa
não tem eco, na ausência imensa.

Na ausência, areia movediça
onde se escreve igual sentença
para o que é vencido e o que vença.

Salva-me, Senhor, do horizonte
sem estímulo ou recompensa
onde o amor equivale à ofensa.

De boca amarga e de alma triste
sinto a minha própria presença
num céu de loucura suspensa.

(Já não se morre de velhice
nem de acidente nem de doença,
mas, Senhor, só de indiferença.)

 in 'Poemas (1957)'

Morrer de velhice é uma benção que recebemos da vida; ela permitiu que percorrêssemos um longo caminho, tortuoso, às vezes, mas também com muitos momentos maravilhosos para recordar. O problema é  chegar a essa fase e só restar um corpo enfraquecido à espera que a vida lhe traga a tão desejada morte. 
A indiferença com que é tratada a velhice é tão grande que já matou a alma e toda a vontade de viver; 
o que resta...
isso já não tem importância alguma...
a morte pode levar...


Transcrição do "Começar de Novo" por Emília Pinto


3 comentários:

A. João Soares disse...

Fui professor voluntário, sem qualquer paga, de três academias para a terceira idade e, pelo contacto com alunas (mais do que com alunos) apercebi-me do mal ou do perigo da solidão. Fiquei com a ideia de que este mal é muito difícil de combater depois de instalado e, por isso, deve prevenir-se pela procura de contactos com outros, enquanto é possível. Era na procura de tais contactos que muitas senhoras idosas a viver sós iam às aulas, por vezes para dormir, mas para estarem entre gente. Uma troca de número de telefone ou de e-mail pode ser meio caminho para contactos frequentes e para se detectar com oportunidade quando acontece algo de grave.
Há poucos anos uma senhora morreu no seu apartamento em Rio de Mouro. A burocracia estatal, ao fim de vários anos, por falta de pagamento do imposto, sem averiguar o que se passou, penhorou o apartamento e vendeu-o em leilão. A compradora, sem ter visto antes o espaço que comprou, logo que tomou posse da chave, entrou na sua propriedade e encontro um cadáver ressequido de pessoa que tinga falecido havia cerca de seis anos. É dramático.

Celle disse...

caro joão
- A morte causa espanto.
A indiferença e a estupidez humana, enojam.

"Ofereça o bem a quem o comporta, e indiferença a quem pouco importa!"

Essas duas máximas demonstram a potencia do desprezo e da indiferença na pessoa humana, são capazes de causar a morte!

A. João Soares disse...

Amiga Celle,

Creio que há um receio doentio da morte, que nada resolve e cria um fim de vida mais doloroso. Em fins de 1965, correu o boato de que eu tinha morrido, porque estive às portas do além devido a um acidente que me fez perder muito sangue. Não me assustei e, desde então fiquei vacinado contra esse temor. O que desejo é não ter doença prolongada que me faça depender de outros.
Hoje é difícil termos à nossa volta pessoas amigas que nos amenizem os últimos momentos. Mas não devemos ter a mania de querer impor últimas vontades, pois nem durante a vida, a nossa vontade foi respeitada. Nesse momento cessa a nossa missão e o que houver a resolver será tarefa dos que ficam.
Quando falo do envelhecimento refiro-me à forma de ocupar o tempo de forma saudável e agradável.
Beijo
A João Soares