30/10/2011

Carta de Asia Bibi, da prísão.


«Meu querido Ashiq, meus queridos filhos,

É uma grande provação, estas que tereis de enfrentar. Esta manhã, fui condenada à morte. Confesso-vos que, quando ouvi o veredicto, chorei, mas no fundo não fiquei surpreendida. Não estava à espera de clemência nem de coragem por parte dos juizes, que se submeteram às pressões dos mulás e do fanatismo religioso.
Desde que voltei à minha cela e sei que vou morrer, todos os meus pensamentos vão para ti, meu Ashiq, e para vós, meus filhos adorados. Censuro-me por vos deixar sozinhos em pleno turbilhão.
A ti, Imram, meu filho mais velho de dezoito anos, desejo-te que encontres uma boa esposa e que a faças feliz tal como o teu pai me fez a mim.

Tu, Nasima, minha filha maior de vinte e dois anos, já encontraste um marido, a família dele e uns sogros acolhedores; dá ao teu pai os netos que irás criar na caridade cristã como nós sempre fizemos.

Tu, minha doce Isha, tens quinze anos, mas nasceste com falta de entendimento. O papá e eu sempre te considerámos uma dádiva de Deus, tão boa que és e tão generosa. Não deves perceber porque é que a mamã não está aí, ao pé de ti, mas estás presente no meu coração, tens sempre lá um lugar especialmente reservado, somente para ti.

Sidra, tens apenas treze anos e eu sei que, desde que estou na prisão, és tu que tratas das coisas da casa, és tu que tomas conta de Isha, a tua irmã, que tanto precisa de ser ajudada. Censuro-me por obrigar-te a uma vida de adulta, tu que és tão pequena e que ainda devias brincar com bonecas.

Tu, minha pequena Isham, tens apenas nove anos e já vais perder a tua mamã. Meu Deus, como a vida é injusta! Mas visto que irás continuar a frequentar a escola, estarás mais tarde habilitada a defender-te perante a injustiça dos homens.

Meus filhos não percais a coragem, nem a fé em Jesus Cristo. Há-de haver dias melhores nas vossas vidas, e, lá no alto, quando eu estiver nos braços do Senhor, continuarei a velar por vós. Mas, por favor, peço-vos a todos os cinco que sejais prudentes, que não façais nada que possa ultrajar os muçulmanos ou as normas deste país. Minhas filhas, gostaria muito que tivésseis a sorte de encontrar um marido como o vosso pai.

Ashiq, amei-te desde o primeiro dia, e os vinte anos que passámos juntos são a prova disso mesmo. Nunca deixei de agradecer aos céus a sorte de te ter encontrado, de ter tido a possibilidade de casar por amor e não um matrimónio combinado, como acontece na nossa região. Os nossos dois feitios sempre combinaram um com o outro, mas o destino estava à nossa espera, implacável... Criaturas infames atravessam-se no nosso caminho. Estás agora sozinho perante o fruto do nosso amor, mas deves manter a coragem e o orgulho da nossa família.
Meus filhos, desde que estou encerrada nesta prisão, oiço as descrições de outras mulheres para quem a vida também se mostrou muito cruel. Posso dizer-vos que tivestes a sorte de conhecer a vossa mãe, a alegria de viver do nosso amor e da nossa coragem para trabalhar. Sempre tivemos o supremo desejo, o pai e eu, de sermos felizes e de vos fazermos felizes, embora a vida não fosse fácil todos os dias. Somos cristãos e somos pobres, mas a nossa família é uma grande riqueza. Gostaria tanto de vos ver crescer, educar-vos e fazer de vós pessoas honestas - mas sê-lo-eis certamente! Sabeis a razão por que vou morrer e espero que não me censureis por partir assim tão depressa, porque estou inocente e não fiz nada daquilo que me acusam.
Tu sabes que é verdade, Ashiq, tal como sabes que sou incapaz de violência e de crueldade. Às vezes, porém, sou teimosa.

Por aquilo que calculo, não vai demorar muito. Em poucos minutos, fui condenada à morte. Não sei ainda quando me irão enforcar, mas podeis estar tranquilos, meus amores, irei de cabeça levantada, sem medo, porque serei acompanhada por Nosso Senhor e pela Santa Virgem Maria, que vão receber-me nos seus braços.
Meu bom marido, continua a educar os nossos filhos como eu gostaria de fazer contigo.


Ashiq, meus filhos bem-amados, vou deixar-vos para sempre, mas amar-vos-ei eternamente.»


Nota:
Carta comovente de Asia Bibi ao Marido e Filhos que é um verdadeiro testemunho e testamento espiritual. Asia Bibi foi condenada à morte por (alegadamente) ter bebido água por um caneco, por onde bebiam os outros trabalhadores muçulmanos, o que constituiu um "sacrilégio", por ela ser cristã...

5 comentários:

A. João Soares disse...

Caro Luís,

Eis aqui um exemplo daquilo que no post anterior consta sobre a felicidae interior de quem se preocupa com o bem.
O pretexto desta condenação é um caso típico de xenofobia, de ódio aos diferentes, oposto ao «amor aos outros» que Cristo aconselhava. Infelizmente o Mundo está escravizado por instituições injustas e tiranas que, de uma forma ou de outra domina e cerceia a felicidae da população mais carenciada.
Olhando à nossa volta encontramos inúmeros sinais da discriminação entre os protegidos pelo Poder e os outros. A uns são cortados os 13º e 14º meses de salário (14,2857% do salário anual), enquanto a outros nada é retirado, ou porque só recebem 12 meses de «salário» milionário ou porque ocultam a sua riqueza em «off-shores» ou porque fogem ao fisco através de contabilidades habilidosas.

Abraço
João

Táxi Pluvioso disse...

Quando se vive num determinado país temos que lhe respeitar as leis, por mais absurdas que sejam, por cá é a mesma coisa: querem cobrar 2000 € de multa a quem não peça fatura, só porque precisam de dinheiro para mais umas passeatas e amigos.

Pelos caminhos da vida. disse...

Custo acreditar que existe país assim, infelizmente.

Comovente carta.

beijooo.

Luis disse...

Caríssim(a)os Amig(a)os,
Países destes deveriam não existir porque são tiranicos e revelam falta de AMOR pelo próximo! Há que terminar com os regimes desta natureza para bem da HUMANIDADE! Não tenho palavras para exaltar esta MULHER que até ao final da sua VIDA soube SER!!! Que grande "LIÇÃO DE VIDA" ela deu!!!

A. João Soares disse...

Caro Luís,

Errar é humano. Não há pessoas perfeitas, isentas de defeitos. E como se depreende do comentário do Taxi Pluvioso, cada país comete os seus erros. E «quem não tiver pecados que lhes atire a primeira pedra».

Sobre isto sugiro a leitura do comentário deixado em Estratégia de empobrecimento
Isto precisava de acção intensiva de «missionários», mas estes iriam impor uma outra verdade que também não é isenta de erros, como se vê nos inúmeros «comentadores» que aparecem nas televisões, todos a quererem impor «verdades» muito duvidosas, pois apesar de tanto saber não conseguiram evitar a crise, nem sair dela.

A senhora dá uma prova de muita dignidade, coisa que nos dias de hoje não é muito vulgar.

Abraço
João