Vou relatar uma conversa com o amigo António (já há muito que não trazia aqui notícias das nossas conversas) porque pode ser útil a alguém que se sinta em tal situação.
No restaurante onde tinha almoçado, um dos clientes contava ao seu companheiro de mesa que a filha tinha ficado com o carro parado no IC 16 porque o cabo da embraiagem se partira e não conseguia fazer as mudanças. E quando quis ir colocar o triângulo foi-lhe difícil abrir a porta porque os carros passavam tão velozes e próximos que teve medo de ficar sem porta e ser atropelada.
Quando encontrei o Amigo António, de quem já aqui falei, disse-lhe o que ouvi e ele relatou a situação em que se viu metido no mato em Angola, em situação de guerra, com uma avaria semelhante. Vou tentar reproduzir o que me disse.
A sua companhia, em meados de 1963, estava instalada em condições precárias junto a uma picada paralela à fronteira Norte, de que distava cerca de 40 quilómetros. A área da unidade poderia ser utilizada para passagem do exterior para as matas mais a sul de grup+os rebeldes com armamentos, munições e outros materiais. Havia grupos de militares a patrulhar a área ou no reabastecimento de água ou na obtenção de lenha ou reabastecimento e fins administrativos à sede do Batalhão a 30 quilómetros dali.
Um dia ia integrado da equipa de menos de dez homens que ia à lenha, deslocando-se num Mercedes Unimog. A distância era de pouco mais de meia dúzia de quilómetros ao longo da picada onde havia troncos secos ainda de pé originados por queimadas de vários anos antes. O veículo estacionou fora da picada num terreno plano e limpo, uns homens ficaram vigilantes zelando pela segurança, embora o perigo não fosse grande nem muito provável, enquanto os outros cortavam a lenha e carregavam a caixa de carga.
Carregado o veículo com cerca de duas toneladas de lenha, quando todos se preparavam para partir, o condutor disse que a embraiagem não funcionava, estava em baixo sem permitir desembraiar para poder fazer as mudanças. E confessou que assim não conseguia nada, nem sabia o que fazer.
Problema grave. Não havia qualquer maneira de comunicar com o aquartelamento a não ser, por estafeta. Mas dividir aquele pequeno grupo em dois, seria loucura, porque qualquer deles ficaria de tal maneira frágil que seria dizimado por qualquer grupo rebelde, mesmo que pouco numeroso.
O António contou isto emocionado e disse que procurou recordar-se do que aprendeu na cadeira de motores, sobre o funcionamento da embraiagem que serve para permitir que as duas rodas dentadas da caixa de velocidades que têm que engrenar obtenham uma velocidade idêntica.
Arriscou tentar suprir a incapacidade do condutor para levar o carro ao destino, mandou subir o pessoal para cima da lenha que primeiro mandou arrumar por forma a que o esticão do arranque, que podia ser forte, não ferisse ninguém. Sentou-se ao volante, perante o condutor e os outros que olhavam incrédulos, boquiabertos e receosos, engatou em primeira e, depois, tentou pôr o motor a funcionar. Foi uma surpresa agradável, feliz quando o carro começou a avançar, com alguns soluços de início, mas depressa adquiriu velocidade, em primeira.
Mas ir em primeira toda a distância seria a destruição do motor e, tomou outra iniciativa, baseado na técnica antiga usada na «mudança com dupla» em que se procurava, com a aceleração do motor, tornar mais próximas as velocidades dos carretos a engrenar na caixa. E com mais ou menos aceleração e um puxão seco da manete de velocidades conseguiu, passar todas as velocidades, para cima e para baixo, sem arranhar, até ao aquartelamento.
O António conta com emoção que foi um caso muito feliz, mas que não esperava que conseguisse fazer aquilo com tanto sucesso. Nunca o tinha feito nem ouvira alguém dizer que o tivesse tentado fazer.
E assim, com estes desabafos de gente com experiência, vamos aprendendo truques de sobrevivência que nos poderão ser úteis em situações difíceis.
Imagem da Net.
5 comentários:
Amigo João!
Para mim, que sou uma "boa" condutora mas que mal entendo o que é ter um problema desse género,
o que o seu amigo António conseguiu, aos meus olhos, é uma proeza equivalente a um verdadeiro milagre!
Conduzir um Mercedes Unimog com a embraiagem partida é obra!!!
Beijinhos
Ná
Olá amigo João Soares,sem dúvida o seu amigo teve uma esperiência única e arriscada ,mas que teve um final feliz. É bom saber que existe esse pequeno truque, pode dar jeito, para uma situação de emergência.
Tenha uma boa noite.
Bj
Caras Amigas Ná e Sãozita,
Depois do comentário do Amigo Carlos Rocha, Beezzblogger, cheguei à conclusão que ou não ouvi bem o António ou ele, devido aos 47 anos já passados, estava esquecido de um pormenor: sem embraiagem, a operação de caixa, mudança, não convém ser feita com movimento rápido da alavanca de velocidades, mas sim em dois tempos, primeiro para o pouto morto e depois para a posição seguinte, e isso é acompanhado com movimento do acelerador, assente em bom ouvido para ajustar o mais possível à rotação do motor, para mais se for uma redução ou para menos se for uma desmultiplicação. É essa a técnica da «dupla» que antigamente era obrigatória em carros sem caixa sincronizada.
O saber não ocupa lugar. A menina evitaria ter ficado parada em perigo no IC 16 se soubesse usar esta técnica.
Beijos
João
Do Miradouro
Tive o "desprazer" na tropa de fazer uma curta viagem num "matador". Era um monstro que servia quase em exclusivo para rebocar os grandes obuzes.
Nessa viatura as mudanças eram metidas ao pontapé e pelo ouvido.
Era menos cansativo ter ido a Santiago pé.
Confirmo que numa emergência as mudanças podem ser metidas da forma descrita.
Há "craques" que fazem isso muito bem.
Abraço do
JF
Caro João,
é sem dúvida uma experiência interessante e inesquecível, pode até servir de ajuda e ser útil em situações difíceis, contudo eu acho que na mesma situação não o conseguiria fazer.
Beijinhos,
Ana Martins
Ave Sem Asas
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