Meu filho,
Chegaste a casa empolgado
da manifestação, vieste com os olhos brilhantes a falar da mudança do sistema e
do grande crime que as gerações mais velhas cometeram para com os da tua idade.
Vieste a falar do “massacre geracional” e dos benefícios dos reformados que
serão vocês que sustentam. Disseste até que são explorados hoje e que, quando
for a vossa vez, não terão o dinheirinho da reforma à vossa espera. Pois,
filho, deixa que te diga umas coisas para acrescentares à tua reflexão.
Eu e a tua mãe vivemos
sempre do que pudemos ganhar com o nosso trabalho. Eu entrei para o Ministério
como auxiliar de contabilidade, depois de tirar o curso à noite, a
trabalhar de dia como vendedor, porque o meu pai, pobre agricultor, mal ganhava
para o sustento dos meus irmãos mais pequenos. Nunca gostei de contabilidade,
gostava era de vender, mas era uma profissão certa e eu tinha família para
sustentar. A tua mãe ficou em casa, a cuidar de ti e da tua irmã, porque não
havia escolas para os pequenitos e as vizinhas já não podiam tomar conta de
mais crianças.
Sempre sonhei montar o meu
escritório de contabilista mas o que queres? Como funcionário teria direito à
pensão para a qual descontava, a minha família beneficiava da ADSE, para a qual
descontei, era a segurança da minha velhice e da tua mãe. Fiquei, fiquei 42
anos e reformei-me como chefe de repartição, a tua mãe com muito menos porque
só descontou 20 anos como auxiliar numa escola.
Com a velhice assegurada,
ainda que modestamente, pagámos os teus estudos até tarde, já tinhas mais de 25
anos quando acabaste o curso na Universidade privada porque nunca tiraste média
para ir para o ensino público. Foi com o meu salário que te compramos a mota,
depois te demos a carta e o automóvel, foi porque pensámos que não
precisaríamos de juntar para a velhice mais do que o que descontávamos que te
pagámos os anos de inglês, o karaté, as viagens nas férias com os teus amigos.
Sim filho, deixa que te diga,
acusaste-me tantas vezes de ser conformado, de ir para a repartição e ter um
salário modesto, querias que arriscasse, abrisse um negócio, como o pai da
Elsa, a rapariga de quem estás divorciado, mas se eu deixasse tudo lá se ia a
minha pensão e a protecção na saúde, teria que juntar para a minha velhice e da
tua mãe e não poderia dar-te e à tua irmã o que tanto gostavam.
Comprámos a casa a crédito
porque já não suportavas o bairro modesto, a casa alugada e velha, querias
viver bem, a tua irmã dizia que tinha vergonha de levar lá os amigos do
colégio, pagámos a casa mesmo a tempo de te ajudar a comprar a tua, quando
casaste e o pai da Elsa já estava em sarilhos com os seus negócios. Ainda te
disse para ficarem lá em casa, até endireitarem a vida, a tua irmã já estava a
estudar fora, no Algarve, no curso que escolheu, com um esforço acomodávamo-nos
todos, mas não quiseste, gritaste que eu era manga-de-alpaca, que nunca teria
uma vida capaz, a prova é que nunca saí da repartição, a contar com a reforma e
as pantufas. Pois é, filho, desculpa, pensei que podia gastar contigo e com a
tua irmã o que os meus pais não puderam gastar comigo. Pensei que tinha uma
reforma e por isso não precisava de proteger mais os meus anos de velho. O que
eu não sabia era que te estava a explorar.
Agora gritas que me
sustentas, e à minha reforma e eu não sei porquê mas talvez tenhas razão, eu
devia ter sido mais prudente e guardar para mim e para a tua mãe o que te dei
com tanto amor. A contar que não te seria pesado, que não terias que me
sustentar como eu fiz com os meus pais e a tua mãe com os dela, lembras-te?
Vieram viver cá para casa, admiraram-se com a nossa casa tão grande, com o
nosso nível de vida, e dividimos com eles o que havia.
Ainda bem que terei uma
reforma, pensei tantas vezes, posso gastar com eles o que ganho, e com os meus
filhos, talvez com os meus netos se precisarem. Nunca levei a tua mãe ao
México, ou ao Brasil, nem sequer a Paris, gasta com os garotos, dizia ela,
eles têm que viver o tempo deles, a gente não precisa. Tu foste, foste a tantos
lados, ficavas 6 meses e mais, dizias que era dos estudos, depois voltavas
cheio de ideias para comprar um computador novo, um plasma, uns sofás novos,
pai, dizias, os tempos são outros, se tens dinheiro compra, para que te agarras
ao dinheiro se vais ter uma reforma?
Desculpa, filho, acho que
te estou a massacrar, e à tua geração Mas deixa que te diga que me
preocupa muito a tua mãe, quando eu morrer ela só vai ficar com metade do que
eu recebo, se ainda a deixarem receber isso, e não chega, não chega para te
ajudar a pagar as pensões de alimentos aos meus netos, não chega, filho, não
chega.
Deixa que te diga que te dei tudo o que tinha, com orgulho e com amor.
Hoje, filho, quando te ouço, penso quem me dera ter poupado para a minha
velhice e da tua mãe, em vez de te ser tão pesado agora, com a minha pensão.
Domingo, 23 de Setembro de 2012
Publicada por Suzana
Toscano
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