21/10/2008

EXERCÍCIO DE PACIÊNCIA

Filho de um jornalista e uma escritora, Carlos Alberto Libânio Christo nasceu em Belo Horizonte, a 25 de Agosto de 1944.
Conhecido por Frei Beto, é um religioso dominicano, teólogo e escritor.
Esteve preso por duas vezes durante a ditadura militar, entre 1964 e 1973. A sua experiência na prisão está descrita no livro «Batismo de sangue», traduzido para francês e italiano.
É de sua autoria o texto que quero partilhar convosco.

Frei Betto


EXERCÍCIO DE PACIÊNCIA

O noviço indagou do mestre como exercitar a virtude da paciência. O mestre submeteu-o ao primeiro dos três exercícios: caminhar todas as manhãs pela floresta vizinha ao mosteiro.

Disposto a conquistar a paciência e livrar-se da ansiedade que o escravizava – a ponto de ingerir alimentos quase sem mastigá-los, tratar os subalternos com aspereza, falar mais do que devia -, durante nove meses o noviço caminhou por escarpas íngremes, estreitas fendas entre árvores e cipós, pântanos perigosos, enfrentando toda sorte de insetos peçonhentos e bichos venenosos.

Nove meses depois o mestre o chamou. Deu-lhe o segundo exercício: encher um tonel de água e carregá-lo nos braços todas as manhãs, ao longo dos cinco quilômetros que separavam o rio da fonte que abastecia o mosteiro. O noviço tampouco compreendeu o segundo exercício mas, julgando a sua desconfiança sintoma de impaciência, resignadamente aplicou-se na tarefa ao longo de nove meses.

Chegou o dia do terceiro e último exercício: atravessar, de olhos vendados, a corda que servia de ponte entre o abismo em se encravava o mosteiro e a montanha que se erguia defronte. Com muita reverência, por temer estar ainda tomado pela impaciência, o noviço indagou ao mestre se lhe era permitido fazer uma pergunta. O velho monge aquiesceu.
“Mestre, qual a relação entre os três exercícios?”


O mestre sorriu e seu rosto adquiriu uma expressão luminescente:
“Ao caminhar pela floresta, você aprendeu a perder o medo da paciência. Soube vencer meticulosamente cada um dos obstáculos e não se deixou intimidar pelas ameaças. Agora sabe que, na vida, o importante não é disputar na pressa quem chega primeiro. O que vale é chegar, ainda que demore mil anos. Observou também a diversidade da natureza e dela tirou a lição de que nem todas as coisas são do jeito que preferimos.”

“Ao trazer água do rio, você fortaleceu os músculos do corpo e aprendeu a servir. A impaciência é a matéria-prima da intolerância, do fundamentalismo, do desrespeito, da segregação. A paciência exige humildade, generosidade, solidariedade.”

O noviço compreendeu, mas ainda uma dúvida pairava em sua mente. O mestre o percebeu. “Agora você quer saber por que atravessar de olhos vendados a corda que nos serve de ponte, não é?”, indagou o velho monge. E acrescentou:
“Com a paciência impregnada em seus pés que trilharam a floresta inóspita; a força impregnada em seus braços, que aprenderam a servir; agora você fará o exercício da fé. Não poderá enxergar, mas confiará que a corda permanecerá sob seus pés. Não poderá apoiar-se, mas se entregará à certeza de que seu corpo é como a água que você trazia: movimenta-se, mas não cai. Não poderá fugir ao abismo que se abre abaixo, mas andará convicto de que, do outro lado, há a montanha sólida a esperá-lo e acolhê-lo. Assim é o Pai de Amor quando nos dispomos, na escuridão da fé, a ir ao encontro Dele.”


Após uma pausa de silêncio, o mestre completou:
“Sem fé não há tolerância; sem tolerância, impossível a paciência.”

O noviço dilatou os olhos como que assustado.

“O que foi?”
, indagou o velho monge.
“Mestre, os fundamentalistas não são pessoas de muita fé? E não se caracterizam pela intolerância?”


O mestre sorriu de modo suave e replicou:
“Os fundamentalistas não têm fé, que é confiar incondicionalmente em Alguém. O que têm é pretensão, confiam apenas em si mesmos. Eles são o objeto da própria fé.
Ao atravessar o abismo, você estará percorrendo o itinerário que conduz do seu homem velho ao seu homem novo.
E o fará para o bem dos outros.
E confie, Alguém o conduzirá pela mão, livrando-o de todos os riscos.”


13 comentários:

A. João Soares disse...

Querida Mariazita,
Este tema tem muito a ver com o comentário que deixei em resposta ao seu no post anterior. Na Natureza podemos ir buscar lições para todos os nossos problemas diários da vida.
Está tudo, com as lições mais variadas, ao gosto de cada «filósofo».
A paciência é uma virtude que tenho procurado desenvolver no meu dia-a-dia.
Beijos
João

Branca disse...

Querida Mariazita,

Extraordinário momento de reflexão.
Na verdade e como diz o João na natureza está tudo o que precisamos.
Hoje pela manhã a caminho do emprego, mesmo ainda não refeita de algumas perdas, senti que ganhei um momento ao olhar o céu no meio da ciddae e do trânsito, quando ao parar num semáforo o vi ao longe por entre as fronteiras da cidade e do campo, com uns raios ainda do amanhecer verdadeiramente fenomanais.
Aprendemos com os anos que a vida é isto mais que a competição e o consumismo e a natureza está sempre lá e as pessoas também fazem parte dela, daí que não é preciso correr, nem ser impaciente, nem tão pouco é preciso mais que estas coisas simples para ter uma vida plena.
Obrigada pela tua paciência ao visitar-me com assiduidade numa fase em que a minha disponibilidade tem sido pouca, embora já tenha passado por aqui em silêncio.
Beijinhos.
Branca

:.tossan® disse...

Bela reflexão! Belos textos os seus, vou voltar para ajudar os meus conhecimentos. Obrigado. Abraço

Táxi Pluvioso disse...

Gostava de vê-lo atravessar a corda. O bom palavreado morre na praia da realidade.

Mariazita disse...

Querido amigo João
Considero a Paciência uma virtude muito importante para a vida.
Para cultivá-la, é preciso Paciência...mas os resultados que se obtêm compensam!
Beijinhos
Mariazita

Mariazita disse...

Querida Branca
É a vida apressada que vivemos que nos impede, muitas vezes, de apreciar as coisa tão belas que existem na Natureza, e as inúmeras lições que ela nos dá.
Vê só como, um gesto tão simples como o teu, de olhar o céu, te proporcionou tanto prazer!
E assim é em tudo, na vida.
Obrigada por teres vindo.
Sei que a altura não é famosa...mas há-de melhorar. Conta com o meu humilde apoio.
Tudo passa! Não esqueças...
Beijinhos
Mariazita

Mariazita disse...

Oi, Tossan
Obrigada por ter vindo e por suas gentis palavras.
Volte sempre, dar-me-á muito prazer recebê-lo.
Beijos
Mariazita

Vivian disse...

...Frei Beto sempre nos encantando com suas mensagens!

eu já conhecia esta lição,
mas foi ótimo revê-la aqui, nesta
sua casa de pensar...

bjs, linda!

Francisco Sobreira disse...

Como o mundo seria outro se as pessoas, pelo menos, boa parte delas, pudessem seguir os ensinamentos contidos nessa fábula. E que bom você divulgar o texto do nosso Frei Beto. Um beijo, Mariazita.

Mariazita disse...

Oi, Vivian
De facto Frei Beto tem textos muito bonitos, que nos fazem reflectir.
E isso é muito bom.
Uma noite feliz
Beijinhos
Mariazita

Mariazita disse...

Boa noite, Francisco
Que bom haver pessoas que apreciam este género de textos!
É que há quem não goste muito de reflectir, sem ver que esse é um meio de melhorar a nossa forma de estar na vida.
Um beijo amigo
Mariazita

Rafeiro Perfumado disse...

Os fundamentalistas são aqueles que na defesa do que acreditam contradizem o mesmo...

Beijo!

Mariazita disse...

Olá, Rafeiro
É verdade, os actos dos fundamentalistas são exactamente o oposto do que apregoam defender!
Beijoca
Mariazita