«A velhice é isto: ou se chora sem motivo, ou os olhos ficam secos de lucidez»
22 de maio 2019, Por Maria Eugénia Leitão
Esta frase, de Miguel Torga, foi encontrada em Lisboa, na Avenida dos Estados Unidos da América, pela Constança, e diz: «A velhice é isto: ou se chora sem motivo, ou os olhos ficam secos de lucidez».
Trata-se de uma frase que Miguel Torga inscreveu no seu Diário, no dia 1 de maio de 1974. Nesse dia, em Coimbra, a população saíra para a rua, a festejar, alegremente, a primeiro Dia do Trabalhador em liberdade. Esse dia foi festejado euforicamente por todo o país. Em Lisboa, a multidão juntou-se na Alameda D. Afonso Henriques, para ouvir Mário Soares e Álvaro Cunhal, regressados do exílio.
Cético com tamanha alegria, Torga segue a multidão e questiona-se: «Há horas que são de todos. Porque não havia aquela de ser também minha? Mas não. Dentro de mim ressoava apenas uma pergunta: Em que oceano de bom senso iria desaguar aquele delírio? Que oculta e avisada abnegação estaria pronta para guiar no caminho da história a cegueira daquela confiança?». E termina esta sua reflexão com a frase pintada na parede, num sentimento simultaneamente de desilusão e clarividência.
A verdade é que, com a idade, nos tornamos mais maduros e, como tal, refletimos sobre a realidade, sobre os outros, sobre o que nos acontece com a utilização de maior consciência de nós e do que nos rodeia. É, portanto, natural que, com o passar do tempo, nos tornemos mais ponderados e mais perspicazes.
Por outro lado, quando chegamos à velhice, perdemos certas capacidades, o que nos fragiliza e nos torna mais sensíveis a questões que durante toda a vida procurámos não valorizar. Às mudanças psicológicas acrescem as mudanças físicas que, tantas vezes, nos surpreendem. Diz Cecília Meireles: «Eu não tinha este rosto de hoje, / (…) // Eu não tinha estas mãos sem força, / tão paradas e frias e mortas; / (…) // - Em que espelho ficou perdida / a minha face?».
Passamos o tempo a tentar ser fortes quando, na realidade, não o somos. Construímos barreiras entre nós e o mundo e colocamos máscaras para que os outros não nos conheçam tal como somos e, assim, não nos reconheçam no que, na realidade, constitui a nossa essência, e que tentamos, a todo o custo, proteger. Somos seres frágeis, desprotegidos, que tentam, a qualquer preço, mostrar-se valentes e destemidos. Há, porém, algumas pessoas que conseguem efetivamente ser fortes, revelando uma coragem física e psicológica diferente de todos os que as rodeiam. São pessoas reconhecidamente distintas, líderes natos, que se impõem naturalmente, e são admiradas pelas suas virtudes. Mas, mesmo estas, pela sua natureza humana, acabam por enfraquecer e, na velhice, tornam-se iguais a todos – frágeis, assustados, sós.
É, pois, verdade, como diz Miguel Torga, que a velhice nos faz chorar sem motivo óbvio, apesar de uma longa vida conter sempre motivos, mais ou menos remotos, que podem levar às lágrimas. E, do mesmo modo, a lucidez que se atinge, pelo facto de muito já se ter vivido, sentido, experienciado, também provoca a ausência de lágrimas e a incapacidade para se surpreender com o que de novo acontece ou para se deslumbrar com euforias efémeras.
Valorizar os nossos velhos, mais do que reconhecer o passado, é, no fundo, valorizarmo-nos a nós próprios e ao nosso futuro, num diálogo permanente, mas silencioso.
Maria Eugénia Leitão
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