Já nos apercebemos que nas próximas semanas o País está
condenado a massivas doses de propaganda "educativa" a propósito dos
quarenta anos do golpe militar do 25 de Abril. Por exemplo, esta manhã ao
pequeno-almoço, o programa
“Sons de
Abril” com a insuspeita Helena Matos na Antena 1 deixou-me algo inquieto: nele se elogiavam as
virtualidades da rádio como meio de comunicação em contextos de clandestinidade
- pudemos escutar a transmissão de Argel de um apelo de Manuel Alegre à
insurreição em 1968, ou conhecer a Rádio Portugal Livre do Partido Comunista
Português que, imagine-se, era difundido a partir de Bucareste, esse paraíso de
liberdade, desenvolvimento e abundância de Ceausescu.
Como incondicional amante de liberdade e compenetrado democrata,
dou todos os dias graças a Deus por viver numa democracia liberal e
representativa, que não tenho como dado adquirido, facto que não impede que a
efeméride me provoque sentimentos contraditórios de adesão ou sobressalto
e até, mediante determinados estímulos (como algumas canções de
intervenção) repulsa. Como poderia nessa época a minha família, que
transportava na genética mais de duzentos anos de atribulações revolucionárias
trágicas para o País persistentemente miserável, olhar sem reservas aos tempos
instáveis que se seguiram à queda do Estado Novo? Nesses tempos, em que se
tornou proibido ter uma vida anterior à revolução que não fosse clandestina ou
de explorado, testemunhei demasiados arbitrariedades e agressões por parte
daqueles que, em nome da sua quimera tudo fizeram para cingir a liberdade a uma
matriz ideológica. São os mesmos que hoje, de fato e gravata, se apropriaram da
simbologia (e não só) da efeméride, incutindo-lhe um estranho cunho religioso a
que pretendem ajoelhar toda uma população acrítica.
É evidente que urge que a historiografia da Revolução dos Cravos
desça da academia para as bocas do mundo, com serenidade, sem complexos nem
enganos que a ninguém servem. Urge também questionar o empenho devotado
pelas oligarquias partidárias na sacralização duma narrativa do 25 de Abril a
preto e branco. Talvez quando o acontecimento fizer meio século e se
tornar absurdo continuar atribuir a Salazar a responsabilidade por todas as
nossas incapacidades e falhanços - até agora tem dado muito jeito.
Por João Távora, em 31.03.14
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