AÍ VÊM ELES!
- Quem é que vem aí?
- Os imigrantes.
- Então agora que os nossos estão a sair é que hão-de
chegar outros?
- Sim, não tardará muito para que comecem a chegar.
- Para quê? Vêm cá passar o Natal?
- Esses vêm como turistas e voltam para as terras
deles pouco depois. Eu refiro-me aos que vêm para ficar a trabalhar.
- Deve estar a brincar. Então com a falta de
empregos...
- Exacto! Há falta de empregos mas há muitos postos de
trabalho a preencher. Eles vêm para trabalhar, não para terem um emprego à moda
dos de cá.
- E esses vêm então trabalhar em quê?
- Em tudo aquilo que os de cá não querem.
- Não estou a perceber.
- Na agricultura, nas fábricas que exportam, nos
trabalhos mais pesados.
- E nós?
- Vocês continuam no Fundo de Desemprego à espera que
vos chamem para Presidentes de Conselhos de Administração.
- Está a gozar!
- Não, estou a falar muito a sério. O País real passa
cada vez mais ao largo das vossas reivindicações. Os empreendedores não ficaram
à espera que o Governo lhes dissesse o que deveriam fazer: fizeram.
- Fizeram o quê?
- Transformaram a nossa Balança Comercial de negativa
crónica em positiva. Só! Acha pouco?
- Mas isso foi algum milagre da Senhora de Fátima?
- Não foi milagre nenhum. O decréscimo enorme que
houve no consumo quebrou radicalmente as importações e bastou algum crescimento
das exportações para que o saldo passasse a ser positivo.
- Então o milagre foi nas importações.
- Isso também não foi milagre nenhum: foi a falência
do falso «modelo de desenvolvimento» que tínhamos com o nosso sistema bancário
a perder o crédito no estrangeiro e a não poder mais financiar importações. E
foi também a quebra dos meios de pagamento em poder dos consumidores
portugueses. Não esquecer as negaças que houve com os subsídios de férias e de
Natal...
- E por que é que as exportações cresceram assim de
repente?
- Porque os empresários não perderam tempo e quando
viram que o mercado interno tinha dado o berro, voltaram-se para os mercados
externos e salvaram a pele deles e a do país.
- E isso vai continuar assim?
- Espero bem que sim e que o novo modelo económico
seja mesmo de desenvolvimento e não mais como o anterior que foi de
afundamento.
- Mas qual é a diferença entre esses dois modelos?
- O anterior estava a fazer de Portugal um país de
serviços e o novo tem que se basear na produção de bens e serviços
transaccionáveis.
- Que bens são esses?
- São todos os que possam ser objecto de comércio
internacional. Quer exemplos? Um carro é um bem transaccionável porque pode ser
importado ou exportado; o Turismo é o serviço transaccionável mais comum mas os
Seguros também o são; um navio, um saco de batatas ou de cebolas, um cabaz de
peixe, um computador ou o respectivo software, tudo são bens transaccionáveis...
- E o que é que não é isso?
- Bens e serviços não transaccionáveis são os que não
podem ser exportados ou importados. Por exemplo, uma estrada, uma ponte, um
prédio, são bens não transaccionáveis; uma corrida de táxi daqui até à estação
do Rossio é um serviço não transaccionável.
- E como era antes?
- Vinha praticamente tudo do estrangeiro e nós quase
só vendíamos Turismo. Andávamos a fazer obras públicas importantes sobretudo
para quem as construía, o Governo anterior preparava-nos para mais uns quantos
elefantes brancos, já estávamos internacionalmente com um dos índices mais
elevados de habitação própria ao mesmo tempo que o parque habitacional
edificado se encontrava em ruínas, o consumo era a menina dos olhos do comércio
importador. E todos viviam muito felizes num mundo irreal comprando tudo sem
dinheiro... O pior foi quando os credores disseram que chegara a hora de fazer
contas.
- Quais credores?
- Os primeiros a apertar os gasganetes aos devedores
foram os bancos estrangeiros que disseram aos bancos portugueses que não havia
mais nada para ninguém enquanto não começassem a pagar o que já lhes deviam. E,
aí, houve grandes bancos portugueses que estiveram parados durante uns tempos à
espera que alguns dos seus clientes exportassem alguma coisa para poderem ser
creditados lá fora desses montantes e pagarem cá dentro em Euros internos.
- Euros internos? Então os Euros não são todos iguais?
- As notas e as moedas são todas praticamente iguais
mas não é de notas nem de moedas que falo. Falo da moeda escritural, a dos
movimentos contabilísticos a débito e a crédito nos mercados inter-bancários.
- Vai ter que me explicar isso mais de vagar...
- O meu amigo vai ali ao seu banco com um saco de
notas e moedas que deposita na sua conta e diz ao banco para mandar vir da
Finlândia uma manada de renas. O seu banco não vai com o saco de notas e moedas
à Finlândia pagar a manada das ditas renas. Guarda o dinheiro que Você lhe
entregou e pede ao banco finlandês que, por sua conta, banco português, pague
ao exportador da manada. Só que o banco finlandês diz ao banco português que já
pagou manadas a mais por conta dele, banco português, pelo que está na hora de
ele, banco português, amortizar a dívida que tem para com ele, banco finlandês.
Então, o banco português tem que esperar que o importador finlandês de rolhas
portuguesas de cortiça deposite no banco finlandês esse dinheiro que será então
creditado ao banco português para que este possa então merecer novamente alguma
confiança do seu correspondente finlandês. Portanto, como os bens e serviços,
há uns Euros que passam a fronteira (os externos) e os que não passam
fronteiras (os internos). O que aconteceu ao sistema bancário português foi a
perda de crédito junto dos correspondentes estrangeiros por razões deste
género. O falso modelo de desenvolvimento em que estávamos, mandando vir tudo
lá de fora, deu o berro.
- E como foi que o assunto se resolveu?
- O problema não se resolveu; apenas se começou a
atenuar.
- Como?
- Cortando no poder de compra dos consumidores, os
importadores reduziram drasticamente as suas encomendas ao estrangeiro e os que
sobreviveram passaram a contratar cá dentro uma parte do que dantes mandavam
vir de fora. Houve uma substituição (parcial) de importações por produções
nacionais mas o mais importante foi que os empresários que viram o mercado
interno em ruína, se atiraram para os mercados externos e deram ao sistema
bancário a oportunidade de retomar alguma da confiança que tinham perdido lá
fora.
- E o que é que isso tem a ver com os imigrantes que
Você diz que vêm aí?
- Tem tudo. Os portugueses continuam a reivindicar os
direitos adquiridos, a fazer greves, a protestar contra tudo. Só que o
empresariado não tem tempo a perder e vai certamente começar a preencher os
novos postos de trabalho por quem esteja disposto a arregaçar as mangas em vez
de erguer os punhos.
- Mas os Sindicatos não vão permitir que esses
estrangeiros para cá venham roubar empregos aos portugueses.
- Mas Você é da extrema-direita?
- Eu, fascista? Nem pensar nisso! Eu sou democrata de
esquerda.
- Mas está a pugnar pelo mesmo que o Le Pen em
França...
- Porquê?
- O Le Pen também quer correr com os estrangeiros para
os empregos ficarem para os franceses.
- Mas os nossos Sindicatos não têm nada a ver com o Le
Pen!
- Pelos vistos têm tudo a ver com posições de direita
extrema. Vocês, sindicalizados, é que andam muito enganados.
- Não me diga mais nada!
- Posso dar uma última sugestão?
- Pode.
- Pensem pelas vossas cabeças e deixem de seguir
bandeiras que só vos enganam.
- Vou pensar nisso...
- Continuação duma boa tarde!