Começo hoje a publicação de vários contos, todos eles escritos por um grupo de amigas, que pela mão da coordenadora, Maria José Areal (já vossa conhecida poetisa e minha muito querida amiga, especialmente para quem frequenta a minha
), acabaram de publicar o seu II Volume deste maravilhoso livro de contos verídicos.
Começo exactamente com o primeiro conto do livro, cuja autora é Maria José Areal.
Cito: Os nomes dos personagens são todos verdadeiros.
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O forno deixou de assar para sempre, no momento em que os meus pais emigraram para os Estados Unidos da América."
Bolo de chocolate em tempo de Páscoa
Os tempos eram assim: Parcos em quase tudo, excepto na alegria das crianças.
No rio procurava-se o remendo, na terra esgaravatava-se o naco. De outros lados juntava-se mais alguns remendos e outros tantos nacos, e deste modo teciam-se os dias, alinhavavam-se as noites e engendrava-se no tempo, a forma de se conquistar um pouco mais. Tecer a teia da vida, achegar os mimos à mesa, recrear o pão-nosso de cada dia era uma autêntica façanha para, os quase todos, que viviam naquele Lugar da Fonte, daquela freguesia de Cristelo Covo, naquela época, naquele tempo, onde eu nasci e cresci há cinquenta e oito anos.
Nesta terra de Santa Maria de Cristelo, a Páscoa durava (e continua a durar) três dias..
A Terça-Feira de Páscoa era o dia mais esperado pelas gentes desta paróquia. Era o dia da Senhora da Cabeça, festa eminentemente religiosa, celebrada em honra de Nossa Senhora. Começava com uma procissão iniciada pelas dez horas da manhã, saindo da igreja paroquial e percorrendo uma distância de cerca de três quilómetros, até ao monte de Nossa Senhora da Cabeça, junto ao Rio Minho
Das varandas das casas mais abastadas, os andores de Nossa Senhora da Cabeça, de Santo António ou de S. Bento, bem como o de Nossa Senhora de Fátima eram saudados com o lançamento de pétalas de flores, descendo pelas colchas adamascadas que se agitavam pela brisa que por ali passava. Este era um dos momentos que eu mais gostava. Parecia que chovia em tom vermelho e amarelo, deixando o chão colorido e os andores salpicados.
A casa onde morávamos, situava-se no Lugar da Fonte, bem junto do rio e muito perto do monte da Senhora da Cabeça.
O meu pai fazia parte, quase sempre, da comissão de festas, era o fogueteiro de serviço (deitava o fogo) e o organizador da comitiva do Lanço da Cruz. Estava presente em todos os momentos da festa e fazia dela um acto de amor.
A minha mãe sempre dizia, que o nosso forno era o melhor da vizinhança. Atingia a melhor temperatura, por ser grande, muito grande. Podia cozer a quantidade de dois alqueires de milho, ou seja, tantas broas quantas se pudesse fazer com trinta quilos de farinha.
Sinceramente, não acredito, que a qualidade dos assados dependesse tão-somente, da temperatura do forno. Eu sabia da mestria da minha mãe, no toque singular para com os assados no forno. A forma como os dispunha na respectiva pingadeira, os pauzinhos de louro que sustinham a carne, evitando o contacto com o arroz e com as batatas, o próprio tempero e quiçá, o carinho com que desempenhava esta tarefa. Tinha e continua a possuir, um verdadeiro e invejável jeito para os pratos confeccionadas no forno. Não necessitava de grandes quantidades, nem mesmo de grandes temperos. Bastava-lhe o jeito e sobrava-lhe a imaginação.
Continua...