Terra de Deu-La-Deu, das termas e do "Alvarinho", ganhou justa fama desde o séc. XVI, altura em que os ingleses, pelo porto de Viana, importavam vinho "tinto" de Monção, a que chamavam "Eager Wine", juntamente com panos de linho, mel, cera e cordagens. No regresso, as naus traziam bacalhau.Mas Monção é, também, a terra da "Coca". A luta do bem sobre o mal, da verdade sobre a mentira do Arcanjo S. Miguel sobre o Dragão, são significados religiosos, infelizmente desaparecidos no Alto Minho. A "coca" monçanense está intimamente ligada à procissão de "Corpus Christi" e à conhecida lenda de S. Jorge.
S. Jorge, acudindo ao apelo angustiado de uma jovem princesa do rei da Líbia, mata com a sua lança o dragão que a queria devorar. Esta, impressionada pela heroicidade do Santo, converteu-se ao Cristianismo. Em harmonia com a tradição da "Coca" simbolizando o dragão, a que o povo tanto chama a "Santa Coca".
A história de Deu-la-Deu Martins, a mulher do capitão-mor de Monção, Vasco Gomes Abreu, e dos actos de bravura que fizeram dela a heroína e o símbolo desta vila nortenha.
Estava-se em guerra. Vasco Gomes de Abreu ausentara-se em serviço do Rei de Portugal e o adiantado de Galiza, D. Pedro Rodrigues Sarmento, general de Henrique Castela, decidiu aproveitar a ocasião e pôr cerco a Monção com um poderoso exercito. A vila aguentou o cerco apesar da falta de recursos de todo o género. Os alimentos eram escassos, os homens válidos muito poucos. Deu-la-Deu tomou o comando da praça e, durante todo o tempo que durou o cerco, dirigiu os seus homens, lutou a seu lado nos momentos de maior perigo, encorajou os vacilantes desesperados, assistiu os feridos, fechou os olhos espantados de céu e dor dos mortos. desmultiplicou-se, sem um momento de desânimo, sem uma vacilação.
Porém, dentro da murulha, esgotava-se tudo, lentamente: os recursos militares, a comida, os próprios homens e a coragem também. O desespero descia sobre espíritos e corpos massacrados por dias e dias de expectativa num lance decisivo.
E foi num desses momentos de desespero que, lúcida, Deu-la-Deu mandou recolher a pouca farinha que ainda existia na vila e com ele fazer alguns pães. os olhos famintos e desorbitados dos habitantes chisparam de ténue mas selvagem alegria. O pão, o último naco! Depois a morte, mas que interessa isso se ela nos espera na mesma e nós estamos fartos de a esperar! Mas...
Prontos os pães, Deu-la-Deu subiu à muralha com eles na mão. Chegou-se a uma ameia e jogou-os aos sitiantes, ante o espanto dos seus conterrâneas, sem forças para mais do que pasmo, gritando bem alto:
"A vós, que não podendo conquistar-nos pela força das armas, nos haveis querido render pela fome, nós, mais humanos e porque, graças a Deus, nos achamos bem providos, vendo que não estais fartos, vos enviamos esse socorro e vos daremos mais, se o pedirdes!"
Na verdade, também o inimigo tinha fome, muita. Por isso face àquele esbanjamento de pão, acreditaram na fartura dos sitiados e levantaram cerco, partindo para terra de Espanha.
Foto de José Ferreira
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Fernanda Fereira