Publicado em recortes por Wellington Freire Machado:
Professor de Literatura Espanhola e Hispano-americana, doutorando em História
da Literatura. Apenas mais um grão de areia na imensidão do universo.
É a consciência de nossa finitude que nos permite aproveitar
a viagem. É o entendimento de que todas as coisas deste mundo são
impermanentes. Que pessoas vem e que pessoas vão. O que é ruim vai passar. E o
que é bom também. Que o amor, assim como outros sentimentos, não precisa durar
para sempre no tempo cronometrado pelo relógio. Entendemos que ele precisa
durar para sempre dentro de nós mesmos, no tempo psicológico. Naquele lugar
onde só nós podemos estar presentes, através de um clique acionado pelo
controle remoto da memória.
A efemeridade da vida talvez seja uma das perturbações mais
cáusticas que acometem a humanidade. Quem nunca se surpreendeu pensando na
velocidade que a vida andou dos quinze aos trinta anos? Ou dos trinta aos
cinquenta? O "ontem", ainda fresco na memória, pode estar distante
cinco ou dez anos de nós. Mas foi logo ali. E quando nos vemos diante do tempo,
este senhor silencioso e voraz, entendemos que o tempo psicológico muitas vezes
é incapaz de acompanhar a cronologia dos fatos, a velocidade do relógio. Não é
arbitrário o fato de Cronos (Κρόνος), o titã grego que representa o tempo, ser
conhecido por engolir seus filhos. Na esfera de experiência somos engolidos
lentamente como uma presa guiada ao seu destino implacável. E é justamente
nesse ínterim, em meio a flashes de consciência, que podemos (re)pensar uma
série de certezas e perceber que nossa condição humana nos conduz a uma jornada
similar a das estrelas errantes, predestinadas a vagar pela imensidão do
cosmos.
A nossa fragilidade diante do infinito nos faz humanos. O
sábio dramaturgo espanhol Pedro Calderón de la Barca (1600-1681), em sua peça
intitulada A vida é sonho, associa a consciência do presente a uma espécie de
sonho lúcido. A fala de Segismundo, protagonista do drama de Calderón,
constitui um dos monólogos mais belos da literatura: “O que é a vida? Um
frenesi. O que é a vida? Uma ilusão, uma sombra, uma ficção; e o maior bem é
pequeno, que a vida inteira é apenas um sonho, e os sonhos, sonhos são".
Compreender a vida como uma viagem com o retorno carimbado é
aceitar a nossa condição efêmera. É o entendimento de que o mundo tangível é
impermanente. Que nesta viagem, alguns passageiros embarcam e outros
desembarcam. Os momentos tristes dissolver-se-ão. Os felizes também. É a
compreensão de que o amor, um dos sentimentos mais viscerais, não precisa durar
para sempre no tempo cronometrado pelo relógio. Ele precisa, sim, durar para
sempre em nosso interior. Naquele lugar no qual outras pessoas não podem estar nem
sequer em sonhos. Naquele lugar em que só nós possuímos a chave e o acesso
livre, onde podemos entrar a qualquer momento.
Com esta consciência entendemos que o amor egoísta contrai,
aperta contra o peito, agarra com força e sufoca. O amor verdadeiro liberta,
pois sabe que neste mundo nada nos pertence.
Inspirou gerações de alquimistas a imagem da roda da
fortuna. Na sabedoria antiga, a roda representava o homem em seus diversos
estágios ao longo da vida: como rei (em seus momentos de glória), despencando
na roda (nas situações de decadência), embaixo (fulminado pelo ciclo) e subindo
novamente (recomeçando o ciclo). Assim, em rotações sucessivas ao longo de uma
existência, tinha como consolo a certeza de que todos os momentos passarão. E,
como consequência, entendia que a dor não é eterna. Tal como a felicidade, que
também está sujeita ao movimento de passagem. E assim, ao longo de uma
existência percebia que o eterno só existe dentro da gente, não fora.
Então, após sermos aterrorizados pela avidez do pai
devorador, finalmente entendemos que a efemeridade da vida não é nada mais que
um movimento autorregulador. Que um infortúnio pode acarretar mudanças
magníficas, sem as quais não entenderíamos a razão de viver. Que as perdas
cotidianas são apenas células que morrem e que a morte, neste ciclo, não é um
fim, mas, um estágio de existência necessário para um novo recomeço. Logo, após
nossa casa desabar durante a tempestade, aprenderemos a reconstruí-la com o que
sobrou. E assim seguimos. Reconstruindo. Inovando. Morrendo. Renascendo.
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