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"Estórias" para mim jamais existirão.
Com este aparte, que não é mais do que a minha opinião e que se prende com a forma como aprendi a minha língua mãe, vamos à história que me lembra em tudo, uma das que primeiro li em inglês e tive de contar em voz alta em plena sala de aula. "Grasp all, lose all". Um dia destes conto-a aqui em bom português.
Todos os contos deste género, que de vez em quando publicarei, têm a função de trazer algo leve e simultâneamente agradável para ler. Está na mesma linha de pensamento que traçamos para o Clube de Leitura do qual faço parte, e que deverá estimular o gosto pela mesma. Espero trazer assim mais leitores a este Blog.
Eis a história:
Joanina e Rita eram duas jovens que se preparavam para o primeiro baile.
Vestiam vestidos de seda branca com muita goma e roda, todos enfeitados de lacinhos azuis e cor-de-rosa.
Não haverá hoje raparigas que consintam em usar vestidos destes, mas isto passou-se há muito tempo.
Diante do toucador, ajeitaram ao espelho os caracóis de cabelo, que as faziam parecer bonecas de porcelana. Sentiam-se lindas. E efectivamente, sinceramente, estavam.
Chegou a altura dos últimos adornos. Brincos, anéis, pulseiras e um diadema no toucado. Até o espelho pestanejou com tanto brilho.
— Falta o colar — lembrou a Rita, enquanto procurava, na sua caixinha de guarda-jóias, o ornamento essencial à perfeição do quadro.
Já a Joanina tinha tirado do respectivo guarda-jóias e posto com todo o cuidado ao espelho o seu colar de pérolas, sorrindo, feliz, porque era a primeira vez que o punha. Sentia-se uma senhora, uma dama, um modelo para um retrato a óleo.
A Rita que tinha um colar igual. Ou quase, disse:
— O teu colar é de pérolas falsas — disse então a Rita, olhando de esguelha para o colar de Joanina.
— Como é que tu sabes? — indignou-se ela. — Este colar está na nossa família há várias gerações e sempre foi tomado como verdadeiro.
— É falso. Digo e torno a dizer, porque as tuas pérolas não têm a perfeição nem a transparência leitosa, nacarada, aveludada das minhas.
Isto dito por Rita era uma afronta para Joanina.
— E se for ao contrário? — ripostou ela. — Está-me a parecer que as tuas pérolas é que são uma perfeita imitação das minhas.
Enervaram-se. Zangaram-se. Descompuseram-se.
Brigaram. Não fosse estarem tão alinhadas para a festa e, quase de certeza, ainda acabariam por se agarrar aos caracóis uma da outra e espatifar os vestidos brancos, engomados e rodados, com lacinhos azuis e cor-de-rosa…
Uma réstia de boa educação e de bom senso conteve-as.
Para decidirem de uma vez para sempre qual tinha razão lembrou-se uma delas.
— Só há uma prova a fazer. O vinagre!
Quem não souber que aprenda que o vinagre desfaz as pérolas naturais, as legítimas, as fabricadas com sossego e demora, dentro da concha paciente das ostras.
Muito exaltadas e avinagradas, foram buscar à cozinha uma tigela de vinagre.
— Queres ver que o teu colar pelintra não se desfaz — disse a Joanina à Rita.
— A porcaria do teu colar é que não vai desfazer-se — disse a Rita à Joanina.
O resto está-se mesmo a ver. Dissolveram-se no banho de vinagre as pérolas de ambos os colares. Só sobraram para amostra fios e fechos, tão valiosos como duas espinhas de peixe.
E as duas jovens, depois de chorarem muitas lágrimas, abraçadas uma à outra, lá tiveram de ir para o baile sem os seus preciosos colares.
Pobres das ostras que tanto trabalharam a acrescentar, a arredondar e a aprimorar as suas maravilhosas pérolas, para que assim se perdesse o labor de tantos anos num bochecho de vinagre. Dá que pensar.
Adaptação pela autora do post de um texto de António Torrado.
Ná
Na Casa do Rau
8 comentários:
Querida Amiga Ná,
Quando comecei a preparar o post seguinte ainda cá não estava este seu. Desculpe.
Quando comecei a ler esta história veio-me à memória outra de um colar que resumidamente aqui deixo.
Uma senhora precisava de um colar de pérolas para ir a um casamento e lembrou-se de pedir a uma amiga que tinha recebido um de prenda do marido por altura do aniversário. A dado momento, ao regressar a casa deu por falta dele, ou se partiu o fio e se desenfiou ou se abriu o fecho ou outro azar. Comprou um para devolver à amiga, embora com muito sacrifício porque o dinheiro não abundava para um investimento tão elevado tipo TGV!
Deixaram de se ver e passados uns anos a amiga notou, pelo vestir que ela estava a passar dificuldades e ela contou o azar do colar de pérolas e das prestações que teve de pagar. Então o marido disse-lhe: porque não falou connosco quando o perdeu, as pérolas não eram verdadeiras.
Azares...
Beijos
João
Do Miradouro
a história é linda!!!
bj
Estas histórias encantam. Estão contadas no presente e parece que estamos ali a ver e observar todo aquele reboliço.
Olá, gente amiga
Isso me fascinou... quanta conversa fiada jogada fora por conta da vaidade.. que desamor por conta de vícios capitais sem nenhuma valia...
A vida é muito mais do que aparências... nem tudo que reluz é ouro...
Como a gente menospreza a ostra e a pérola(preciosidade) que há em nós! O silêncio (ostra) vale ouro... Excelente post! Muito profundo...
A música de fundo musical é belíssima do estilo que ouço sempre, linda!
Passo pra convidar vocês para a BLOGAGEM COLETIVA ESPIRITUAL que está pré lançada no meu post de hoje...
Amanhã dou todas as dicas e espero com carinho a participação de vcs pois têm muito a nos acrescentar...
No entanto, sintam-se à vontade!
Um bj no coração de vcs!
Maninha, que boa idéia! Gostei!
Esta história me fez lembrar minhas primeiras festas e bailes. Descrição real que nos remete alguns anos atrás, nossa adolescência. Assim mesmo acontecia... Anaguas, tiras bordadas, rendas, lacinhos de fita e joias de familia!1ºnamorado!o flerte, o querer aparecer!!!
E a famosa lição "quem tudo quer tudo perde."
Beijos, Celle
Queridos amigas e amigos,
Obrigada pelo comentários sempre muito bem vindos e lidos com o maior carinho.
Beijos a todos/as.
Ná
Querida NÁ,
Esta sua ideia de nos trazer contos para o blogue considero de bom gosto e obriga-nos a ler, coisa que vai sendo uma raridade. Até a leitura de documentos é feita de través e nunca com aquela atenção que se deveria ter em casos desta natureza... Apreciando o seu conto achei-o lindo e como moral a tirar penso que será: A vaidade é má conselheira!
Muitos beijinhos amigos.
Olá mãe querida!
Venho dar-te miminhos, primeiro porque tenho algum tempo, depois porque sei que gostas que eu passe por cá e finalmente porque sim! Não digo mais nada.
Olha! Adorei ler o conto, o mais bonito é que as meninas da Fátima também leram e adoraram, a mãe essa fica sempre comovida e vaidosa como eu.
Acho uma óptima ideia, e já te estou a ver tu a Zezinha Areal nesse projecto aí em Campos.
Uma só chegava, com as duas juntas, vai tudo passar a ler em Campos, até os analfabetos :)
Beijos mil, adoro-te.
Pedro
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