A
eutanásia e a Igreja
Desde há muitos anos que em Trás-os-Montes existia o
«abafador» que quando uma pessoa idosa estivesse doente, imobilizada, com
sofrimento e sem esperança de melhorar, a família recorria ao indivíduo que
ajudava no apoio de saúde e que se prestava, a dar a um doente irrecuperável, «morte santa» acariciando-o na cara de forma a fechar-lhe a boca e o nariz
durante o tempo suficiente para não voltar a sofrer. Era o «abafador». Há cerca
de 50 anos conheci uma senhora com cerca de 40, que era professora primária e
muito católica e que dizia ter ajudado muitas pessoas a ter uma morte santa.
Miguel Torga referiu nas suas obras estas personagens caridosas.
Agora, tal acto humanitário está a ser legalizado pela
eutanásia. Mas esta vai prestar-se a crimes contra vidas, por interesses
variados. A lei não garante comportamentos irrepreensíveis, como se viu com o
primeiro confinamento que não impediu as festas do Avante, do 1º de Maio e
outras de interesse político-partidário. O PM falou de casos de excepção que
devem ser previstos para qualquer disposição legal. E a eutanásia arrasta
muitos tipos de excepção, ao ponto de, após a legalização, o bispo espanhol de
Alcalá de Heneres, Juan Antonio Reig Pla, ter
publicado uma carta pastoral em que acusava o Governo de ter tornado a Espanha
num «campo de extermínio».
Possivelmente, entre nós, se
vier a ser publicada lei semelhante, a Igreja não deixará de se manifestar de forma
idêntica. Mas o ditado diz que «é melhor prevenir do que remediar» e, assim, seria
melhor agir para evitar a publicação da lei do que obter depois a sua anulação.
Já há médicos a afirmar que não participarão em tais actos de aniquilamento,
porque isso vai contra a sua formação e os princípios que seguem de tudo fazer
para respeitar a vida, no cumprimento do «juramento de Hipócrates» que fizeram
após a sua formatura. «…A vida que professar será
para benefício dos doentes e para o meu próprio bem, nunca para prejuízo deles
ou com malévolos propósitos. Mesmo instado, não darei droga mortífera nem a
aconselharei; também não darei pessário abortivo às mulheres…»
O respeito pela vida deve ser um valor permanente e prioritário
na acção de um bom político e de qualquer pessoa com sãs preocupações de moral,
de ética, na sua conduta social. Nestas condições, manifesto meu respeito e
muita admiração pelo senhor bispo Juan Antonio Reig Pla.
O artigo 24.º, n.º 1, da Constituição determina que "a vida humana é
inviolável". E, há alguns dias, quatro juízes do Tribunal Constitucional acompanharam
o acórdão final, mas subscreveram uma declaração de voto conjunta em que discordam que o TC não tenha feito um juízo de
inconstitucionalidade do diploma "por violação do direito à vida".
Recordo que em artigo publicado em 24-04-2018,
alertava para os seguintes perigos: «a eutanásia exige legislação muito cuidada
e rigoroso controlo para evitar interesses de familiares, do Estado, dos hospitais,
do serviço de saúde, etc.». Se a sua filosofia anti-natura, com desprezo pela
vida dos outros e sem sensibilidade, tiver aprovação pelo PODER, acabarão por
ser eliminados todos os que não produzem riqueza económica nacional, e pesam no
orçamento do Estado, por serem idosos, deficientes, desempregados, doentes, criminosos,
etc. Este novo tipo de pena de morte irá desinfestar a sociedade de «inúteis»
que, com a evolução rápida das novas tecnologias, serão a maioria da população».
Deixando, assim, de haver consumidores, são desnecessárias as novas
tecnologias, o comércio fecha, são desnecessários hospitais, médicos,
laboratórios e farmácias, os serviços públicos serão reduzidos, bem como o
próprio governo, libertando muitos inúteis, candidatos à exterminação da
espécie, à espera da oportunidade da eutanásia que acabará por lhes chegar.